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Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Será uma "Catana" uma Arma Branca Proibida?


Fonte: Google Imagens






    Será que um objecto corto-contundente, vulgarmente designado por "catana" ou "machete", sem qualquer sinal de transformação/modificação à sua concepção original, poderá ser considerado, do ponto de vista legal, como uma arma proibida? 

    Sobre este tema, muito antes da entrada em vigor da Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho (que procedeu à 6.ª alteração da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro – diploma que aprovou o Regime Jurídico das Armas e suas Munições, doravante apenas denominado por RJAM), escrevi o seguinte:

    Embora uma “catana”, pelas características apontadas, possa ser considerada uma "arma branca", nos termos da noção proposta pelo art.º 2.º n.º 1 al.ª m) do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), certo é, no entanto, que não se trata de uma "arma branca proibida". Senão vejamos: 

    Desde logo, pela sua morfologia, características e afectação a actividades legítimas, verifica-se que não se trata de qualquer das armas brancas, de "classe A", previstas no art.º 3.º, n.º 2, al.ªs d), e), f) e g), do supra referido RJAM. 

    Embora o legislador responsabilize criminalmente a detenção de "outras armas brancas", no art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM, impõe objectivamente o preenchimento cumulativo de três requisitos, a saber: 

 Não ter a "arma branca" uma aplicação definida; 
→ Possibilidade de aquele objecto ser usado como arma de agressão; 
 O seu possuidor não justifique a sua posse. 

    Ainda que haja a possibilidade de o objecto ser usado como uma arma de agressão (como aliás acontece com a grande maioria dos objectos) e o proprietário não justifique a sua posse momentânea, não se encontra cumprido o primeiro dos requisitos referidos, ou seja, uma “catana” tem uma aplicação definida, enquanto instrumento de uso comum em actividades agrícolas, florestais, etc.

    Assim, esta finalidade, que em abstracto uma “catana” possui, permite excluí-la, desde logo, das "armas brancas" de "classe A", previstas no art.º 3.ºn.º 2 al.ªs f) e g) do RJAM, mas também, como já referido, das "outras armas brancas" previstas no art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do mesmo diploma legal. A não ser assim, e a incluir as “catanas” nas "outras armas brancas", quase todos os agricultores e madeireiros teriam registo criminal...

    Num quadro de mera detenção, o que fica dito para as “catanas” vale também para outros objectos dotados de lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente (v.g. cutelos de cozinha, serras, gadanhas,...). 

    A reforçar esta tese de não inclusão no art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM, o facto de que não existe qualquer referência legal à forma como, por exemplo, uma “catana” deve ser portada e/ou transportada, de modo a que se possa justificar objectivamente a sua posse num determinado local, contrariamente ao que sucede, por exemplo, com o uso e porte de armas de fogo. 

    Face a todo exposto é de concluir que uma “catana” sem qualquer sinal de transformação/modificação é uma “arma branca” de venda livre, não constante da lista de armas brancas proibidas e sem classificação legal pela sua mera detenção. 

    Face ao exposto, a Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho, sup. cit, veio acrescentar, no art.º 3.º do RJAM, com epígrafe “Classificação das armas, munições e outros acessórios”, mais precisamente no seu n.º 2 – relativo às armas, munições e acessórios da classe A, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização (cfr. n.º 1) –, a al.ª ab), com o seguinte conteúdo:

As armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse;

    Consequentemente, o art.º 86.º do RJAM, com epígrafe “Detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, passou a prever e a estatuir o seguinte:

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) (…) as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º (…), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;
(…)

    Assim, hodiernamente, ainda que a arma branca possa ter uma aplicação definida (v. g., catanas, cutelos de cozinha, serras, gadanhas), a sua detenção, na acepção do art.º 2.º n .º 5 al.ª g) [1], é proibida, sempre que:

seja encontrada fora dos locais do seu normal emprego; e
o seu portador não justifique a sua posse.

[1Neste art.º 2.º n.º 5 al.ª g) encontramos a definição de “detenção de arma”, entendendo-se como tal “o facto de ter em seu poder ou disponível para uso imediato pelo seu detentor”.

    Como sabemos, o crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 do RJAM) “é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas”. [2]

[2] Neste sentido, et. al., o aresto do TRC, 30/06/2010, proc. 1229/08.9GBAGD.C1, rel. Paulo Valério, acedido e consultado aqui em 21/11/2022.

    Sendo assim, a exigência de justificação da posse, pelo portador da arma branca, visará demonstrar, nas circunstâncias e no contexto da detenção, uma outra finalidade que não a sua utilização como arma de agressão. [3]

[3] Portanto, não deixa de preencher o tipo de crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 do RJAM), a conduta de um cidadão que possui uma “catana” no interior da sua viatura, mais precisamente debaixo do banco do condutor, e que, perante a polícia, justifica tal posse com o facto de andar a ser perseguido e carecer dela para se defender.

    Desse modo, a justificação da posse deve consistir numa explicação razoável e adequada, “segundo a experiência das coisas, entre a natureza do objecto, a actividade do sujeito, os usos comuns do objecto e as circunstâncias específicas da posse”. [4]

[5Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 23/04/2008, proc. 08P1127, rel. Henriques Gaspar, acedido e consultado aqui em 19/11/2022.


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13 comentários:

  1. Correcto, e mais uma vez é nos detalhes que está a razão. Mas penso que neste tipo de equipamento a lei deve se virar para o proprietário do objecto e não das caracteristicas do objecto em si, pois nas mãos erradas, até uma faca de barrar pode causar ofensas à integridade física graves.
    Não é caso de para fazendeiros e madeireiros começarem a ser possuidores de registo criminal, mas em caso de existir dúvida sobre a que final o objecto em questão se destina, a aplicação de uma medida preventiva como apreensão do referido objecto até ser feita mais clara a que fim realmente se destina, não será, a meu ver, incorrecto ou ilegal.

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    1. Meu caro João Correia,

      Antes de mais obrigado pelo seu comentário.
      Após termos concluído que uma “catana” é uma arma branca não proibida, (logo, permitida) só poderá ser apreendida, como aliás, qualquer outro objecto, se:

      1.º Houver indícios de que tenha serviço ou estivesse destinada a servir à prática de um crime, …, conforme prevê o art.º 178.º n.º 1 do Código Penal;

      2.º Aquém dos indícios anunciados, poderá, ainda, a catana ser apreendida, por razões de segurança interna (art.º 1.º n.º 1 da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto), enquanto objecto concretamente perigoso (não em abstracto, pois isso são quase todos) [art.º 29.º al.ª b) da Lei n.º 53/2008].

      Repare, no entanto, que está em causa, na apreensão de uma “catana”, o direito à propriedade (art.º 62.º n.º 1 da CRP). Como tal, deve esta medida de polícia, de carácter preventivo, revelar-se como necessária, devendo encontrar indícios fundados de preparação de actividade criminosa (preparação ainda não punível criminalmente) ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública (art.º 30.º da Lei n.º 53/2008). Não havendo esses indícios fundados, a medida é desproporcionada e como tal, ilegal.

      Para aferir dessa (i)legalidade (apreciando e validando) é competente o juiz de instrução, devendo para o efeito, a medida ser-lhe comunicada no mais curto prazo, que não pode exceder as 48 horas (art.º 33.º n.º 1 da lei n.º 53/2008)

      Cumprimentos,

      Paulo Soares

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  2. boa tarde gostaria que me explicasse e com exemplos práticos a diferença entre crimes formais e crimes materiais...já agora os policias têm o dever de garante?

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    1. Boa tarde,

      Irei tentar, de forma muito resumida, responder à sua questão. Quanto aos crimes materiais, também designados como crimes de resultado, pressupõem, como o nome indica, um certo resultado, seja a morte (art.º 131.º do CP), seja a ofensa à integridade física (art.º 143.º do CP), …

      Quanto aos crimes formais, também designados por crimes de mera actividade, não é necessário esse resultado, bastando somente uma determinada conduta para o preenchimento do tipo. Assim, bastará alguém conduzir um veículo com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, independentemente de causar perigo para outrém, para se encontrar preenchido o tipo de crime do art.º 292.º do CP.

      Quanto à polícia, para efeitos do art.º 10.º n.º 1 do CP, tem o dever jurídico de actuar, garantindo a incolumidade dos direitos dos cidadãos. Tem pois um dever de garante, cuja fonte é a lei. Desde logo, o art.º 272.º n.º 1 da Constituição e as respectivas leis orgânicas.

      Espero que a resposta tenha sido proveitosa.

      Com os meus cumprimentos,

      Paulo Soares

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  3. Bom dia,

    Ao sair de uma discoteca um conhecido meu "pegou -se" com outra pessoa, apos alguns minutos esse meu conhecido saca de uma navalha do bolso e faz umas ameaças ao outro sujeito eu claro tentei sempre tentei apizaguar a situaçao pedindo calma a ambas as partes e pedi a faca a esse meu conhecido para não haver problemas nem feridos antes q chegasse a policia.. ele deu ma e eu deixei a ao pe de um banco de jardim q esta ao lado da discoteca ate a situaçao acalmar totalmente.. entretanto chega a policia e pergunta o que se passava.. o individuo que foi ameaçado disse que esse meu conhecido o tinha ameaçado com uma navalha.. a policia pergunto logo pela navalha.. vieram ter cmg e perguntaram me onde ela estava (ja eles sabiam que eu a tinha pedido a esse meu conhecido) e eu disse que a tinha deixada ao pe do banco de jardim ate a situaçao acalmar.. fui mais a policia entao a procura da navalha junto ao banco de jardim mas a mema n tava la.. ja a policia a tinha...( deduzo que foi algum amigo do rapaz ameaçado que me viu a deixar la e a entregou a policia) logo no monento fui identificado pela policia mesmo explicando que nao tinha nada haver com a faca nem as ameaças..

    O rapaz que era dono da faca e que fez as ameaças foi levado pela policia e eu fui pra casa.

    Agora a semana a passada recebo uma notificaçao do tribunal a dizer que sou arguido do processo..! mas porque? que acham desta situçao? que me podera aconceter nao tendo feito nada?

    Desculpem o testamento!

    Obrigado

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    1. Sr. Anónimo,

      Antes de mais, não é pelo facto de ter sido constituído arguido que irá ser condenado por algo que supostamente não fez. Terá, ao longo do processo, juntamente com o seu defensor (advogado), oportunidade de comprovar a sua presumida inocência. Pode até, o Ministério Público, nem deduzir acusação contra si, por concluir que você não praticou qualquer crime.

      O certo é que, para já, assumiu a qualidade de suspeito da prática de um ou mais crimes. Mas de quais?

      Pode dar-se o caso de ter havido uma deturpação dos factos reais por parte do seu conhecido e/ou do tal indivíduo ameaçado. Imagine, v.g., que foi dito que você actuou conjuntamente com o seu conhecido, na concretização da ameaça.

      Mas, perante os factos que me reporta, pode a qualidade de arguido estar relacionada com a suspeita de um crime de favorecimento pessoal, art.º 367.º n.º 1 do Código Penal (CP). Sendo a navalha um objecto susceptível de constituir prova da prática de um crime de ameaça (art.º 153.º do CP), eventualmente agravado pelo art.º 86.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, poderão haver suspeitas de que você a tenha escondido com intuito de iludir a actividade probatória, inviabilizando o procedimento criminal.

      Para ambos os casos, bastará, com a credibilidade necessária, dar a conhecer os factos reais que, certamente, serão aqueles que me expôs.

      Para qualquer outro esclarecimento estou ao seu inteiro dispor.

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  4. Bom dia,

    Obrigado pela resposta! fiquei mais elucidado!

    Darei feedback!

    Ricardo Silva

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  5. Gostaria de falar consigo. Soube mais coisas sobre o caso.

    Obrigado

    Ricardo Silva

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    1. Sr. Ricardo Silva,

      Estou à sua inteira disposição para o esclarecimento de qualquer dúvida aqui no blogue.

      Cordiais Saudações

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  6. Boa tarde,

    Mas será que me poderá facultar algum email ou numero para falarmos?

    Obrigado,

    Cumps.

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  7. Boa noite.minha mãe por estar limitada, e não saber ler, colocou minha irmã em conjunto na conta bancária.desde então minha irmã ,tem delapidado avultadas quantias,em proveito pròprio,sem comunicar ou informar re s tantes irmãos,.este caso è legal?que se pode fazer para ser chamada à responsabilidade,e repõr o que.extorquiu?Obrigado..n

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  8. Boa Tarde Dr.
    Excelente artigo, muito obrigado pela sua generosa partilha! Cumprimentos

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    1. E eu agradeço o seu comentário.

      Com os meus melhores cumprimentos,

      Paulo Soares

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