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Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

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sábado, 23 de março de 2013

Consumo de Estupefacientes - a questão do "consumo médio individual durante o período de 10 dias"


Fonte: Google Imagens

    
    Imaginemos que dois indivíduos adquirem 10 gramas de canabis (resina) para consumo próprio. Quando vão a fazer a divisão do produto, por muito que se esforcem por dividi-lo de forma equitativa, uma das parcelas acaba por ter 5,2 gramas e a outra 4,8 gramas. Abordados pela polícia, um acaba por ser detido e, o outro, notificado para comparecer na comissão para a dissuasão da toxicodependência.

    Analisemos, do ponto de vista das consequências jurídicas, este caso, que bem poderia ser um caso real. 

    No que concerne à aquisição e detenção de estupefacientes e substâncias psicotrópicas para consumo próprio, desde a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, constitui contra-ordenação, desde que não exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias (art.º 2.º n.ºs 1 e 2). Esta quantidade tem como referência os valores estabelecidos no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, valores que foram obtidos por critérios estatísticos. 

    O legislador optou por não criminalizar tais condutas, mas puni-las como contra-ordenação, compatibilizando o regime com as demais convenções internacionais vigentes. Assim, o consumo mantém um desvalor legal, como forma de dissuadir a sua expansão e, indirectamente, o tráfico e restante criminalidade a ele associada. 

    Então, e um indivíduo que seja consumidor mas detenha uma quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias? 

    Tendo, o art.º 28.º da referida Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, revogado o art.º 40.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (circunscrito ao consumo, aquisição e detenção para consumo próprio de drogas ilícitas em pequenas quantidades), aplicar-se-ão as normas que preveem e punem o tráfico (art.ºs 21.º e 25.º do Decreto-lei n.º 15/93)? Mas onde estão os indícios desse tráfico? 

    Obviamente que o mero exceder de quantidades permitidas, per se, não faz subsumir tal conduta no crime de tráfico de estupefacientes. Como resulta de jurisprudência fixada (e por muitos ainda ignorada), apesar da referida revogação, “o artigo 40.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”. 

    Assim, deve-se considerar reduzido teleologicamente o alcance da revogação do art.º 28.º da Lei n.º 30/2000, e, conjugando o art.º 2.º n.º 2 do mesmo diploma legal, considerar-se como válido e actual o texto remanescente do art.º 40.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a saber:

    «1 - Quem, para o seu consumo, cultivar plantas compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. Se a quantidade de plantas cultivadas pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias. 

    2 - Quem, para o seu consumo, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.» 

    Desse modo, se um indivíduo é surpreendido com droga em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, inexistindo qualquer indício de tráfico, nunca poderá ser punido pelos art.ºs 21.º e 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas sim pelo art.º 40.º n.º 2 do mesmo diploma legal (pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias), com as sup. cit. adaptações. 

    Mas, perante um consumidor, como aferir se a aquisição ou detenção de produtos estupefacientes excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias? Será a sua conduta passível de se subsumir no art.º 2.º da Lei nº 30/2000 (coima) ou no tipo de crime do art.º 40.º n.º 2, do Decreto-lei n.º 15/93 (pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias)? 

Fonte: Google Imagens
    Para muitos, a resposta é simples. É só pegar numa balança, confrontar o peso obtido com o valor constante no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, para o produto em causa, e já está… 

    Tal procedimento é inadmissível. Obviamente que os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.º 94/96 são para ser respeitados, mas enquanto valores meramente indicativos, que devem ser apreciados por intermédio de critérios científicos inerentes à prova pericial (art.º 163.º do CPP), conforme decorre do art.º 71.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 15/93. 

    A entendermos que a mera ultrapassagem dos valores constantes do referido mapa bastaria, só por si, para se encontrar preenchido o tipo de crime do art.º 40.º n.º 2, do Decreto-lei n.º 15/93, esta seria uma norma penal em branco, e, como tal, inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade (art.º 29.º n.º 1 da CRP). Ver, v.g., Acórdão do TC n.º 534/98

    Afora a inconstitucionalidade, vejamos porque deverão os valores mencionados ser entendidos como meramente indicativos. 

    Como bem sabemos, os actos de comércio estão intimamente ligados ao lucro, não sendo o tráfico de droga excepção. Visando um aumento do lucro, cada vez mais os traficantes vão adicionando outras substâncias aos produtos estupefacientes, diminuindo substancialmente a sua pureza. Tão menor é a pureza quanto maior o distanciamento do consumidor ao produtor.

    No entanto, os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.º 94/96 referem-se a substâncias puras. Assim, pode acontecer que um indivíduo, não obstante ser detentor de 6 gramas de canabis - resina (crime, cfr. art.º 40.º nº 2, do Decreto-lei n.º 15/93), esse produto tenha apenas 60% de pureza, o que, segundo a Portaria, equivaleria a 3,6 gramas (contra-ordenação, art.º 2.º da Lei nº 30/2000). 

    Face ao exposto, como devem proceder os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciárias na ausência daquele juízo científico materializado pelo relatório de exame pericial? 

    Como bem têm decidido os Tribunais da Relação (v.g. Acórdão do TRP), nesse caso, havendo dúvida sobre a pureza do produto estupefaciente, é necessário recorrer à jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça, que teve em consideração, segundo regras de experiência comum, o normal grau de impureza de tais substâncias estupefacientes quando chegam à posse do consumidor. Neste sentido, é considerada quantidade necessária para o consumo médio individual durante um dia, a que não excede, v.g

- 1,5 gramas de cocaína x 10 dias = 15 gramas; 
- 1,5 gramas de heroína x 10 dias = 15 gramas; 
- 2 gramas de haxixe (canabis resina) x 10 dias = 20 gramas; (Cfr. Acórdão do STJ

    Somente este critério visa impedir situações como aquela que apresentámos no início do presente artigo, em que é dado um tratamento jurídico distinto a uma mesma situação factual. 

    Para terminar, convém ter sempre presente que o intérprete deve funcionar como ponte entre a norma jurídica e a realidade social.

Aproveite para deixar um comentário ao artigo que acabou de ler.

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19 comentários:

  1. Tirou-me várias dúvidas, de uma maneira concisa e prática. Muito bem.

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  2. Muito obrigada, no meio de tantos acórdãos, uns mais recentes que outros e tantas informações dispersas, uma excelente síntese. Óptima ajuda!

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  3. Acabei de ler e fiquei elucidada! Obrigada!

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  4. o que e que acontece se um menor (ex16 anos) for denunciado a policia por trafico haxixe o que é que acontece a esse jovem? ira preso?ira pra protecao de menores?

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    1. Meu caro anónimo,

      Um menor com 16 anos de idade (16 anos mais um dia) já pode ser responsabilizado criminalmente.

      Existe, contudo, um regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos que prevê uma atenuação especial da pena, tendo em consideração a sua reinserção social.

      A pena dependerá das circunstâncias do caso concreto (v.g., da quantidade de produto estupefaciente, do modo de actuação, dos antecedentes, necessidades de reinserção social).

      Com os meus melhores cumprimentos,

      Paulo Soares

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  5. Boa noite. No âmbito da tabela anexa à Portaria 94/96 e independentemente do grau de pureza, se um indivíduo tiver na sua posse 0,9 gr. de cocaína, 0,9 gr. de heroína e 4 gr. de haxixe, consideraria tratar-se de um crime ou de uma contra-ordenação? Obrigado.

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    1. Meu caro anónimo,

      Boa noite.

      Na esteira da doutrina e jurisprudência maioritárias, propendo em considerar que tal posse (inexistindo indícios de tráfico) se subsume no tipo de crime de consumo, art.º 40.º n.º 2 (na sua interpretação correctiva) do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

      Sobre a interpretação correctiva referida, poderá ter interesse o nosso artigo denominado: “Posse de estupefacientes – da contra-ordenação ao crime de consumo”. Em:

      http://oportaldodireito.blogspot.pt/2015/04/posse-de-estupefacientes-da-contra.html

      Para isso devemos ter em consideração que:

      → 0,9 g de Heroína – 9 dias;
      → 0,9 g de Cocaína – 4,5 dias;
      → 0,4 g de Haxixe – 0.8 dias;

      Total: 14.3 dias.

      Podemos então concluir que tal posse excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, não cabendo, assim, no art.º 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro (regime contra-ordenacional).

      Espero que o mesmo esclarecimento lhe possa ser útil.

      Com os meus melhores cumprimentos,

      Paulo Soares

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  6. boa noite.sinceramente é injusto a quantidade de heroina para 10 dias ser 1 grama.isso é impossivel.nenhum heroinómano conseguiria estar 5 dias com essa quantidade sem sofrer ressaca.é uma caça aos heroinomanos diabolizados.talvez no estado puro 1 gr de diamorfina fosse o consumo médio de 10 dias.mas aqui trata-se de heroina de rua

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  7. Exmo Sr.
    Bom dia, a sua explicação foi muito elucidativa.
    No entanto ainda tenho dúvidas relativamente as penas possíveis de serem aplicadas.

    por exemplo: eu fui apanhado no sábado passado com 7 gramas de haxixe, ainda não sei qual o nível de pureza deste, mas excedendo o valor por 2gramas não consigo avaliar a gravidade da situação. O Haxixe não estava dividido pelo que o agente acreditou que fosse apenas para consumo, mas sentiu-se na obrigação de me levar à esquadra e processar a situação.

    Os agentes da PSP afirmaram que ou vão cobrar-me uma multa, serviço comunitário ou fazer o referido despiste de toxicodependência.

    Sou fumador regular há cerca de uma década no entanto nunca me impediu de ser alguém de sucesso (Estudante trabalhador em Engenharia, quase a acabar o Mestrado)

    Também indicaram que não vou ficar com registo.

    A minha dúvida é nas opções que tenho para apresentar em tribunal (dia 28 Agosto).

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    1. Caro Sr.,
      Como correu?

      Cumprimentos

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    2. Como correu o processo? Ficou com registo criminal?

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  8. Caro Sr.,
    Como correu?

    Cumprimentos

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  9. Boa tarde,

    Sou um estudante do ultimo ano de mestrado, e consumidor usual de Hashish,
    Primeiramente deixem-me agradecer pelo seu texto, este que se tornou bastante lúcido, mas apresento uma questão.

    No dia 31 fui abordado por três agentes há paisana, que ao me perguntarem o que tinha, mostrei 16 gramas de Hashish, este que seria utilizado como regularmente para o meu consumo mensal,

    Levaram-me ao posto e fui mandado apresentar-me pelas 9:30 do dia seguinte no tribunal. Ao ser presente no MP expliquei a situação e ao verem estar no relatório que colaborei sempre,e o mesmo seria para o meu consumo, foi-me oferecida a opção de suspenderem o meu processo durante quatro meses, nos quais me disseram não poder voltar a fazer nem parecido, e ao passarem estes meses, me arquivariam o processo. Contei também com uma coima.

    Desta forma queria questionar se não posso ser apanhado com qualquer peso de gramas de Hashish, seja ele quase insignificante como uma dose por exemplo, ou apenas tenho de corresponder ao limite mínimo legal, visto continuar a ser fumador.

    Muito obrigado e lamento o incómodo.

    Melhores cumprimentos

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  10. Boa noite
    Foi apanhado a mais de um ano com 16 gramas de haxixe..
    Hoje recebi a carta de tribunal ... Que será que me vai acontecer ??

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  11. Bom dia, fui apanhado esta madrugada com 1,016 gramas de Mdma e 5.16 gramas de haxixe. Segunda feira tenho que me apresentar em tribunal. O que me poderá acontecer?

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  12. conclusão: mais vale cada um fazer logo um belo canhão para ficarem os dois abaixo das 5 gramas :)

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  13. Pelo que entendi após ler cheguei a conclusão que eu como consumidor de cannabis posso ter em meu o equivalente a 10 dias de consumo ou seja (2.5gr/dia x 10 = 25grs) é isto?? Obrigado

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  14. Encomendei 30 grs de haxixe para ser entregue como encomenda. Se for apanhado com essas 30 grs, qual será o castigo?

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