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Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Do reconhecimento por fotografia e seu valor probatório


Fonte: Google Imagens
   
    Como sabemos, o reconhecimento de pessoas, previsto no art.º 147.º do Código de Processo Penal (CPP), é um meio de prova que visa apurar a identidade da pessoa que praticou o crime, por intermédio de um terceiro que o viu cometer, ou em circunstâncias prévias ou posteriores indiciadoras de o ter cometido. 

    Às modalidades de reconhecimento introduzidas na versão originária daquele art.º 147.º [reconhecimento por descrição (n.º 1), presencial (n.º 2) e com resguardo (n.º 3)], a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio acrescentar a possibilidade de tal reconhecimento ser efectuado por intermédio de fotografias (actual n.º 5). 

   Porém, de acordo com este último preceito, tal reconhecimento só valerá como meio de prova quando for seguido de um reconhecimento presencial. Assim, per se, o reconhecimento fotográfico não possui autonomia enquanto meio de prova, motivo, aliás, pelo qual o legislador não o sujeita a quaisquer formalidades. 

   Sendo assim, à pessoa que procede ao reconhecimento (testemunha) pode ser mostrada apenas uma fotografia ou várias, em que apenas uma delas apresenta semelhanças com o suspeito a identificar. 

  Mesmo que, na prática, sejam exibidas, concomitantemente, à testemunha, um vasto conjunto de fotografias, em audiência de julgamento não é possível aferir quantas delas apresentavam características similares às do suspeito, ou como decorreu o acto de reconhecimento, já que tal diligência, em regra (pois a lei não o exige), não se encontra documentada nos autos. 

   Tal sucede porque estes reconhecimentos fotográficos são vistos – mal, parece-nos – como simples actos de investigação policial sem reflexo no reconhecimento presencial posterior. 

  Como vem sendo defendido, de forma quase unânime, pela doutrina e jurisprudência, “a repetição do acto de reconhecimento afecta naturalmente, em maior ou menor grau, o segundo acto de reconhecimento”. [1

[1] Neste sentido SOUSA, João Henrique de. O Reconhecimento de Pessoas no Projecto do Código de Processo PenalIn Revista Julgar, n.º 1, 2007, pág. 159. 

   Parece-nos irrefutável que, após a realização de um prévio reconhecimento fotográfico – o qual não sabemos sequer como decorreu , a capacidade de memória da pessoa que a ele procedeu encontra-se naturalmente afectada no momento do segundo reconhecimento, agora presencial. 

  Aquando da realização deste último, faltará um “pressuposto essencial à prova por reconhecimento: a indeterminação prévia do agente”, que o conduz para um resultado predefinido. [2]


[2] Vide Acórdão do TRL, de 23 de Junho de 2015, proc. 508/14.0 PASNT.L1-5, rel. Vieira Lamim, in www.dgsi.pt, acedido e consultado em 18 de Novembro de 2020. 
    
   Ficamos, assim, na dúvida, se a testemunha não estará a identificar a pessoa que visualizou previamente no reconhecimento fotográfico, em vez de identificar o agente do crime; ou, até, se aquela não se terá sentido comprometida em fazer a mesma escolha anterior (“commitment effect”), tenha sido ela espontânea ou sugestionada. [3]

[3] Cfr. João Henrique de Sousa, in ob. sup. cit., pág. 159, in fine

  Ex positis, parece-nos que, perante um reconhecimento presencial precedido de reconhecimento fotográfico não documentado nos autos, podem sempre surgir “fundadas dúvidas sobre a autenticidade, segurança, sugestividade, coerência e espontaneidade, da declaração de reconhecimento” da testemunha. [4]

[4] In Acórdão do TRL, de 23 de Junho de 2015, proc. 508/14.0 PASNT.L1-5, rel. Vieira Lamim, acedido e consultado em www.dgsi.pt, no dia 18 de Novembro de 2020. 


     Solução proposta: 

    Pelos motivos supra aduzidos, partilhamos da opinião de que o reconhecimento fotográfico devia ser autonomizado enquanto meio de prova e sujeito ao mesmo regime do reconhecimento físico/presencial. [5]

[5] No mesmo sentido, João Henrique de Sousa, in ob. sup. cit., pág. 161. 

    Assim, à semelhança do que já sucede no Reino Unido, vide pontos a.1 a a.5 do anexo E do Code of pratice for the identification of persons by Police Officers (Code of Pratice D) do Police and Criminal Evidence Act 1984), poder-se-iam colocar, em linha de identificação, várias fotografias com as maiores semelhanças físicas da pessoa a identificar – pelo menos 12, de forma a dar maior credibilidade e segurança ao procedimento (cfr. pontos a.4 e a.5 do sup cit. anexo E). 

    Após a sua integral exibição – sem ajudas e/ou influências –, a testemunha seria chamada a manifestar-se pela identificação, ou não, de uma delas (analogamente ao que sucede no art.º 147.º n.º 2 do CPP). 

   Todo o procedimento deveria ser documentado em auto, ao qual se juntaria o respectivo registo fotográfico da linha de reconhecimento. [6]

[6] À semelhança do que sucede no Reino Unido, cfr. pontos a.10 e b.11 do anexo E do Code of pratice for the identification of persons by Police Officers (Code of Pratice D) do Police and Criminal Evidence Act 1984). 

    Inexistindo, no nosso ordenamento jurídico, uma norma que autonomize o reconhecimento fotográfico, entendemos que, de forma a assegurar uma adequada ponderação, em audiência de julgamento, do acerto do reconhecimento fotográfico prévio (garantia do direito de defesa do arguido), o procedimento terá que apresentar alguma similitude ao que acabámos de sugerir. 

    Para terminar, de iure condito, de modo a evitar duplos reconhecimentos, no caso de haver uma pluralidade de reconhecimentos relativos ao mesmo suspeito, havendo uma identificação fotográfica positiva, às restantes testemunhas não devem ser exibidas fotografias, devendo estas, sim, realizar reconhecimento presencial, art.º 147.º n.º 2 do CPP. 


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