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Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um advogado.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais

 


    Com o objetivo de guiar o leitor pelo raciocínio desenvolvido, o artigo estrutura-se da seguinte forma:

1 – Introdução;

2 – Regime Jurídico;

2.1 – Punição da utilização;

2.2 – Punição da posse, transporte e armazenagem;

2.2 – Punição da disponibilização no mercado;

3 – Reflexões finais e apelo à acção.


1 – Introdução 

    Como sabemos, a deflagração de artigos pirotécnicos (no caso concreto, fogos-de-artifício) em zonas habitacionais é susceptível de perturbar a tranquilidade, a paz e o descanso de quem ali habita, com os efeitos sociais e comportamentais cognoscíveis da exposição ao ruído. [1] 

[1] De onde destacamos, et. al., distúrbios de sono, stresse, alterações de humor, irritabilidade, aumento da frequência cardíaca, falta de concentração,  diminuição do desempenho cognitivo, dor de cabeça e fadiga. Populações vulneráveis, como idosos, crianças, pessoas com transtorno do espectro autista ou transtorno de stresse pós-traumático, ou com epilepsia, são particularmente afetadas, com relatos de crises de ansiedade e pânico induzidas por estímulos sensoriais excessivos. 

    Mas os efeitos não se ficam pelo ser humano. Para animais domésticos, como cães e gatos (que possuem uma capacidade auditiva superior), o barulho dos fogos-de-artifício provoca reacções de medo intenso, manifestando-se em comportamentos como fuga, tremores, hiperventilação e, em casos extremos, enfartes ou lesões autoinduzidas ao fugir. [2] 

[2] Os fogos-de-artifício afetam também negativamente a fauna silvestre, provocando stress, desorientação, fugas perigosas, abandono de crias, traumas físicos e alterações comportamentais, comprometendo tanto a sua sobrevivência como a integridade dos ecossistemas. 

    Não obstante o exposto, restringir-me-ei à análise da utilização de fogos-de-artifício por consumidores finais não profissionais [3], cuja prática tem registado um aumento exponencial nos últimos anos (sobretudo de “baterias pirotécnicas”), e cuja imprevisibilidade, aliada à insuficiente ponderação dos riscos subjacentes, elevam substancialmente a probabilidade de ocorrência de efeitos prejudiciais.

[3] Deixo assim de fora os espectáculos pirotécnicos sujeitos a um procedimento administrativo para emissão da respectiva licença. 

    No que concerne aos vulgarmente denominados «petardos», o legislador [4] impôs-lhes regras próprias pelo facto de o efeito sonoro «de tiro» ser passível – para além do que foi referido nos parágrafos anteriores – de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, provocando alterações à ordem e tranquilidade públicas. 

[4] Vide art.º 5.º n.º 2, do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho; e Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril. 

    Por este motivo, entendo que tais artefactos pirotécnicos devem receber um tratamento jurídico diferenciado em relação aos demais fogos-de-artifício, sugerindo-se, ademais, a leitura do nosso artigo intitulado "Petardos e responsabilidade penal: um enquadramento necessário".

 
Fonte: Google Imagens

2 –  Regime Jurídico  

    Não obstante os malefícios referidos na nossa introdução, o facto de a utilização de produtos pirotécnicos se encontrar intrinsecamente ligada às festividades religiosas, culturais e tradicionais na maioria dos Estados-Membros da União Europeia, e a relevância económica da indústria pirotécnica no Espaço Europeu levou à harmonização das disposições em vigor nos diversos Estados-Membros relativas à colocação no mercado de artigos de pirotecnia. [5] 

[5] Neste sentido, são de realçar a Directiva n.º2007/23/CE, de 23 de Maio, e a Directiva n.º 2013/29/UE, de 12 de Junho, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho – transpostas para a ordem jurídica interna, respectivamente pelo Decreto-lei n.º 34/2010, de 15 de Abril, e pelo Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho (que revogou o seu antecessor e se mantém em vigor com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 91/2021, de 29 de Janeiro). 

    Estas regras harmonizadas, além de garantirem “a livre circulação de artigos de pirotecnia no mercado interno”, vieram assegurar, simultaneamente, “os requisitos essenciais de segurança que os mesmos devem satisfazer tendo em vista a sua disponibilização no mercado, de forma a garantir um elevado nível de protecção da saúde humana e da segurança pública, a defesa e a segurança dos consumidores, e tendo em conta os aspectos relevantes relacionados com a protecção ambiental”. [6] 

[6] Este objectivo encontra-se previsto no art.º 1.º do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho. 

    Atualmente, para a livre colocação no mercado de artigos de pirotecnia, os fabricantes devem, previamente, entre outros requisitos

Classificá-losde acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro” (art.º 6.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho – será a este diploma legal que nos referiremos, doravante, sempre que um artigo venha desacompanhado de qualquer referência legislativa); [7] 

[7] Considerando estes critérios, os fogos-de-artifício são classificados do seguinte modo [art.º 6.º n.º 3 al.ª a)]: 

Categoria F1: fogos-de-artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;

Categoria F2: fogos-de-artifício que apresentam um risco baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas;

Categoria F3: fogos-de-artifício que apresentam um risco médio, que se destinam a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana;

Categoria F4: fogos-de-artifício que apresentam um risco elevado, que se destinam a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados, sendo conhecidos por fogos-de-artifício para utilização profissional, e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana. 

Assegurar que eles foram concebidos e fabricados em conformidade com os requisitos essenciais de segurança estabelecidos no anexo I, devendo, em caso de avaliação positiva, elaborar a declaração UE de conformidade (cfr. art.ºs 9.º n.ºs 1 a 3; 17.º e 18.º); 

Apor-lhes uma “marcação CE”, indicadora da sua conformidade com os requisitos estabelecidos nas normas comunitárias. [art.ºs 3.º al.ª m); 9.º n.º 3, in fine; 19.º e 20.º]; 

Garantir que eles são rotuladosde modo visível, legível e indelével”, e com conteúdo claro, compreensível e inteligível, incluindo, nomeadamente (art.º 11.º n.ºs 1 e 2): 

Informação sobre o fabricante (e do importador, no caso de fabricante não estabelecido na UE);

A designação, tipo e categoria do artigo de pirotecnia;

Número de registo e o número do produto, do lote ou da série;

O limite mínimo de idade para a sua disponibilização no mercado [no caso dos fogos de artifício, art.º 7.º n.º1 al.ª a)];

Instruções de utilização; e

Distância mínima de segurança exigível na sua utilização. [8] 

[8] Relativamente aos fogos-de-artifício, não obstante esta informação dever constar nos respectivos rótulos, encontramos, no anexo I, grupo A, al.ªs a) i); b) i); e c) i), também do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, distâncias mínimas de segurança que devem ser cumpridas para as várias categorias. 

Rótulo de uma bateria pirotécnica de 
categoria F2

 2.1 Punição da utilização 

    Mesmo tratando-se de fogos-de-artifício que cumprem os requisitos referidos anteriormente, estabeleceu-se um regime sancionatório aplicável à violação de determinadas condutas, visando a protecção da saúde, da segurança e do ambiente. 

    Assim, o art.º 35.º n.º 2 prevê e estatui o seguinte: 

Constitui contra-ordenação punível com uma coima entre 650 e 1500 euros [9], tratando-se de pessoa singular, “a utilização de fogos-de-artifício da categoria F3 e F4 [10] em violação das prescrições contidas nos respectivos rótulos ou em norma técnica que regulamente essa utilização, nomeadamente quanto ao local, utilização ou incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis”. [11] 

[9] Nos termos do art.º 18.º al.ª b) i) do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), em anexo ao Decreto-lei n.º 9/2021, de 29 de Janeiro.

[10] Os fogos-de-artifício da categoria F4 são destinados exclusivamente à utilização em espetáculos pirotécnicos. A posse e/ou utilização por consumidores finais não profissionais preenche o tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (RJAM).

[11] Negrito e sublinhado nossos.

    No caso de se tratar de fogos-de-artifício da categoria F1 e F2, essa coima varia entre os 150 e os 500 euros, cfr. art.º 35.º n.º 3, cjg. com art.º 18.º al.ª a) i) do RJCE. 

    Para além da violação das “prescrições contidas nos respectivos rótulos” [12], o legislador previu igualmente as prescrições constantes de norma técnica. Cumpre, todavia, indagar: que norma técnica é essa? 

[12] Os rótulos que, como já referimos, devem ser visíveis, legíveis e indeléveis, e conter informação clara, compreensível e inteligível (art.º 11.º n.º 1). 

    Nos termos do art.º 39.º n.º2, “a regulamentação da utilização dos artigos de pirotecnia previstos no presente decreto-lei é também da competência do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública” (DN/PSP). 

    Neste âmbito, foi emitido, pela DN/PSP, o Regulamento n.º 1/2025, de 2 de Janeiro (em vigor desde o dia 3 de Fevereiro de 2025) relativo à “disponibilização, posse, transporte, armazenagem e utilização de artigos de pirotecnia”. [13] 

[13] Este Regulamento revogou a Norma Técnica n.º 3/2018, de 7 de Junho, emitida também pela DN/PSP, a qual estabelecia, na Secção II, as regras a que devia obedecer a utilização de artigos de pirotecnia por consumidores em espaços públicos ou equiparados (art.º 1.º, 1.ª parte). 

    Actualmente, nos termos do Regulamento n.º 1/2025, é proibida a utilização, por consumidores, de fogos-de-artifício: 

→  Da categoria F3, em espaços públicos ou equiparados a espaços públicos [art.º 9.º n.º 1 al.ª a)]; 

Independentemente da categoria: 

Na proximidade de edifícios de habitação aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas (art.º 9.º n.º 5); 

A menos de 50 metros de instalações oficiais dos órgãos de soberania, de instalações das Forças Armadas ou forças e serviços de segurança, de estabelecimentos hospitalares ou similares, de recintos religiosos ou outros ainda que afetos temporária ou ocasionalmente ao culto religioso, de estabelecimentos prisionais e de estabelecimentos de ensino durante o horário de funcionamento, salvo quando devidamente autorizados pela autoridade policial competente [art.º 9.º n.º 1 al.ª b)]; 

Em estabelecimentos ou locais onde decorra reunião, manifestação, comício ou desfile, cívicos ou políticos, em zonas restritas de segurança das instalações aeroportuárias e portuárias, estabelecimentos de ensino durante o horário de funcionamento, em estabelecimentos hospitalares, em estabelecimentos ou locais de diversão, em feiras e mercados, em viadutos e túneis, salvo quando devidamente autorizados [art.º 9.º n.º 1 al.ª c)]; 

A menos de 25 metros de edifícios de habitação, centros históricos, monumentos, viadutos e túneis e sempre que se verifique grande aglomeração ou concentração de pessoas ou veículos em espaços públicos e equiparados a públicos, sempre que o artigo de pirotecnia não disponha de indicação no rótulo das distâncias de segurança, por não ser requisito obrigatório (art.º 9.º n.º 3); 

A menos de 50 metros de locais de armazenagem ou acondicionamento de líquidos ou gases inflamáveis, de estações de abastecimento de combustível, de instalações contendo mercadorias perigosas e substâncias suscetíveis de arder e, independentemente de tal, quando seja de prever a existência de risco de incêndio (art.º 9.º n.º 4). 

com excepção da categoria F1, sempre que se verifique, no concelho onde o consumidor se encontre, um nível de perigo de incêndio rural «muito elevado» ou «máximo» [art.º 11.º do Regulamento n.º 1/2025, cjg. com art.º 67.º n.º 1 al.ª b) do Decreto-lei n.º 82/2021, de 13 de Outubro]. 

    Nos termos do art.º 10.º n.ºs 1 e 2 do Regulamento n.º 1/2025, é ainda proibida a utilização de fogos-de-artifício sempre que exista a suspeita de que a pessoa que os esteja a utilizar (ou os detenha [14]) se encontre sob a influência do álcool (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,50 g/l) ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas. [15] 

[14] Considera-se detenção de fogo-de-artifício o facto de ter em seu poder ou estar disponível para uso imediato pelo seu detentor (art.º 10.º n.º 3).

[15] Neste caso, o utilizador de fogos-de-artifício (ou o mero detentor), após ordem de autoridade policial competente, é obrigado, sob pena de incorrer em crime de desobediência qualificada, a submeter-se a provas para a sua detecção (exames de pesquisa de álcool no ar expirado, análise de sangue e outros exames médicos adequados), cfr. art.º 45.º n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, ex vi art.º 10.º n.º 1 do Regulamento n.º 1/2025, cjg. com (no caso da PSP) o art.º 12.º n.º 2 da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto. 

    Convém ter sempre presente que as proibições previstas no art.º 9.º do Regulamento n.º 1/2025 são também aplicáveis à utilização de fogos-de-artifício em espaços do domínio privado, quando dessa utilização resultem projeções de resíduos que ultrapassem os limites desse mesmo espaço (cfr. art.º 9.º n.º 6 do Regulamento). 

    Assim, em suma: 

    A utilização de fogos-de-artifício (por consumidores finais não profissionais) em violação das prescrições contidas nos respectivos rótulos e/ou nos art.ºs 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento n.º 1/2025, constitui: 

Categorias F1 e F2: contraordenação punível com uma coima entre 150 e 500 euros, tratando-se de pessoa singular cfr. art.º 35.º n.º 3, cjg. com art.º 18.º al.ª a) i) do RJCE; 

Categoria F3: contraordenação punível com uma coima entre 650 e 1500 euros, tratando-se de pessoa singular, cfr. art.º 35.º n.º 2 al.ª a), cjg. com art.º 18.º al.ª b) i) do RJCE). 

NOTA: Para a posição que sustenta que a utilização de petardos (de categorias F2 e F3) não deve estar sujeita a regime jurídico distinto dos demais fogos-de-artifício, a moldura contra-ordenacional prevista é igual. Tal solução revela-se inadmissível, porquanto o legislador entendeu que os primeiros, em relação aos segundos, comportam riscos acrescidos para a ordem, a segurança e a saúde públicas, sendo suscetíveis de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, tendo, por isso, optado por proibir a sua disponibilização no mercado (cfr. art.º 3.º n.º 3 al.ª a) e n.º 4 da Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril). Além disso, os petardos não estão destinados a ser utilizados para fins de entretenimento. Sobre esta matéria, sugerimos a leitura do nosso artigo: "Petardos e responsabilidade penal: um enquadramento necessário". 

Categoria F4: crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, cfr. art.º 86.º n.º 1 al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. [16] 

[16] Embora esteja também preenchido o tipo contra-ordenacional do art.º 35.º n.º 2 al.ª a) do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, o utilizador é punido apenas a título de crime, cfr. art.º 20.º (concurso de infracções) do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. 

Fabrico Artesanal: os fogos-de-artifício de fabrico artesanal são artigos de pirotecnia, em geral muito instáveis, que não satisfazem os requisitos de segurança supra referidos (v. g., a marcação CE), constantes do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho. 

Por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM, e com a argumentação ínsita no nosso artigo "Polícia quer Criminalizar Petardos", o seu utilizador incorre também no crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, agora p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª a) do RJAM.

 

Foguetes de 6 bombas
da categoria F3

 2.2 – Punição da posse, transporte e armazenagem 

    Nos termos do art.º 35.º n.º 2 al.ª c), constitui contraordenação punível com uma coima entre 650 e 1500 euros, tratando-se de pessoa singular [art.º 18.º al.ª b) i) do RJCE], “a posse, transporte e armazenagem de qualquer categoria de artigo de pirotecnia em desrespeito das prescrições contidas em regulamentação ao presente decreto-lei”. [17]

[17] Sublinhado nosso.

    Considerando o art.º 5.º do Regulamento n.º 1/2025, de 2 de Janeiro, incorre nesta contraordenação, o consumidor que possua, armazene ou transporte: 

Fogos-de-artifício das categorias F1, F2 ou F3, em quantidade (total) superior a 5 Kg de teor líquido de explosivo (art.º 5.º n.ºs 1 e 3); [18]

[18] Independentemente do número de consumidores, não é permitida a armazenagem, no mesmo espaço físico, de fogos-de-artifício em quantidades superiores a 5 Kg de teor líquido de explosivo por consumidor. 

Fogos-de-artifício das categorias F1, F2 ou F3 por consumidores com idades inferiores a 14, 16 e 18 anos, respectivamente [art.º 5.º n.º 5 al.ª a)]; [19]

[19] Não podemos esquecer, contudo, que, nas contra-ordenações [art.º 10.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro)], tal como nos crimes [art.º 19.º do Código Penal (CP)], os menores com idade inferior a 16 anos são inimputáveis (incluindo-se, para este efeito, o dia do seu aniversário). Sobre esta matéria sugerimos a leitura do nosso artigo denominado “Procedimento de Identificação do Suspeito deuma Contra-Ordenação. Será admissível a Identificação Coactiva?”.

Não obstante, a posse de artigos pirotécnicos pode determinar a instauração de um processo de promoção e protecção relativamente à criança ou jovem que os detenha, nos termos do art.º3.º n.º 2 al.ª g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro. 

Para quem entende que a posse de petardos não deve merecer regime jurídico distinto em relação aos demais fogos-de-artifício, incorre igualmente nesta contraordenação [cfr. art.º 5.º n.º 5, al.ª b), do Regulamento n.º 1/2025, de 2 de Janeiro], o consumidor que possua, armazene ou transporte petardos

Da categoria F3;

Da categoria F2, salvo se autorizada pela DNPSP nos termos do art.º 3.º n.º 4 da Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril, mediante apresentação da respetiva autorização prévia;

Não possuam rastilho para a sua iniciação sendo esta operada através da fricção da respetiva cabeça do artigo de pirotecnia. 

→ Incorre também na contraordenação prevista no art.º 35.º n.º 2 al.ª c), punível com coima entre 650 e 1500 euros, o detentor de fogos-de-artifício (independentemente da categoria) que se encontre sob a influência do álcool (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,50 g/l), de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas (art.º 10.º do Regulamento n.º 1/2025). [20]

[20] Sugere-se a leitura das notas anteriores n.ºs [14] e [15]

Em relação à posse, transporte e armazenagem de fogos-de-artifício de categoria F4 e de fabrico artesanal, entendemos igualmente – com a fundamentação aduzida na secção anterior (2.2), in fine – que tais condutas preenchem o tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, repectivamente as alíneas d) e a) do art.º 86.º n.º1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. 

Bateria pirotécnica de 
categoria F3

 2.3 - Punição da disponibilização no mercado [21] 

[21] Podem proceder à venda de fogos-de-artifício os indivíduos habilitados com carta de estanqueiro emitida pela PSP e ainda os revendedores [art.º 18 n.ºs 1 e 3 al.ª c) do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos (RFACEPE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro]. 

Estes revendedores devem adquirir os fogos-de-artifício a estanqueiros devidamente habilitados (não os podendo importar/transferir de outros países). Também não podem adquirir, em cada trimestre, ou ter em depósito para venda no estabelecimento, mais de 10 Kg de peso bruto. 

A actividade de revendedor está sujeita a autorização da PSP (após verificada a conformidade da documentação exigida) e ao cumprimento de determinadas regras, v. g.: art.ºs 21.º (corpo do artigo) e 22.º n.º 1 do RFACEPE; e art.º 7.º n.º 2 do Regulamento sobre a Fiscalização dos Produtos Explosivos, RFPE (ambos os Regulamentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro).

Fogos-de-artifício das categorias F1, F2 ou F3: 

Os operadores económicos, designadamente o fabricante, o importador ou o distribuidor, praticam uma contraordenação punível com coima de 2000 a 7500 euros, tratando-se de pessoa singular [art.º 18.º al.ª c) i) do RJCE] [22], quando: 

[22] Simultaneamente com a coima podem ser aplicadas as sanções acessórias previstas no art.º 28.º do RJCE, ex vi art.º 36.º do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Junho. 

Disponibilizam, no mercado, fogos-de-artifício das categorias F1, F2 e F3 a consumidores com idade inferior a 14, 16 e 18 anos, respectivamente [art.º 35.º n.º 1 al.ª a) do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Junho]; [23] 

[23] Para evitar esta contraordenação, os operadores económicos devem confirmar se o adquirente tem idade para adquirir tais fogos-de-artifício, “através da exibição de documento de identificação oficial que contenha fotografia, nome completo e data nascimento”, devendo ser recusada a disponibilização se o adquirente se recusar a apresentar  o documento (art.º 6.º n.º 1 e 7.º, in fine, do Regulamento n.º 1/2025, de 2 de Janeiro). 

Os operadores económicos estão também obrigados a averbar no livro de registo (obrigatório), o nome do adquirente dos fogos-de-artifício e o número do documento que sustenta essa disponibilização, designadamente fatura, recibo ou guia de transporte (art.º 6.º n.º 2 do Regulamento). 

O Regulamento, no seu art.º 7.º, obriga também à recusa da disponibilização sempre que o adquirente se encontre, ou aparente encontrar-se, sob influência do álcool, de estupefacientes, de substâncias psicotrópicas ou de produtos de efeito análogo, ou apresente indícios sérios de perturbação psíquica ou mental. Todavia, o diploma não prevê qualquer sanção para a disponibilização de fogos-de-artifício a indivíduos que se encontrem em tais condições. 

Não se asseguram que os fogos-de-artifício que disponibilizam no mercado ostentam a marcação CE e os demais requisitos previstos nos art.ºs 8.º a 15.º do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Junho, cjg. com art.º 35.º al.ª b) deste mesmo diploma legal.  

Fogos-de-artifício de categoria F4 ou de fabrico artesanal 

Os operadores económicos (fabricante, importador ou distribuidor) que procederem à venda deste tipo de artigos pirotécnicos incorrem no tipo de crime de “tráfico e mediação de armas”, p. e p. no art.º 87.º n.º 1, do RJAM, por referência, respectivamente, às al.ªs d) e a) do n.º 1 do art.º 86.º, do mesmo diploma legal. [24] 

[24] No caso de fogos-de-artifício de fabrico artesanal, pelos motivos referidos nas secções anteriores, designadamente por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM. 

    Agora pasmem-se! 

    Para quem sustenta que os petardos (de categorias F2 e F3) não devem estar sujeitos a regime jurídico distinto dos demais fogos-de-artifício, não há qualquer sanção para a sua disponibilização a maiores de 16 anos (categoria F2) ou de 18 anos (categoria F3). [25] 

[25] Embora, como já afirmámos, a Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril, afirma que os petardos, em relação aos demais fogos-de-artifício, comportam riscos acrescidos para a ordem, a segurança e a saúde públicas, sendo suscetíveis de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, proibindo a sua disponibilização no mercado [cfr. art.º3.º, n.º 3 al.ª a) e n.º 4]. Além disso, os petardos não estão destinados a ser utilizados para fins de entretenimento. 

    Será que entendem que se aplicam – nestes casos não puníveis pelo Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Junho – os art.ºs 25.º, 26.º n.º 1 e 27.º do Regulamento sobre a Fiscalização dos Produtos Explosivos, RFPE (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro), cjg. com o art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 265/94, de 25 de Outubro? 

    Vejamos dois exemplos: 

1.º: Disponibilização de fogos-de-artifício da categoria F1 (que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante) a um consumidor com idade inferior a 14 anos → punível com coima de 2000 a 7500 euros, art.º 35.º n.º 1 al.ª a) do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Junho]; 

2.º: Disponibilização de petardos da categoria F3 (cuja venda é proibida pelos motivos indicados na nota anterior ([25]) a um consumidor com 18 anos → punível com coima de 50000$00 e 500000$00, o correspondente a uma coima de 249 a 2494 euros[26] 

    Perante esta comparação, não nos parece que este entendimento se coadune com a coerência do sistema jurídico. O que acham? 

    Convido-vos a proceder, em conjunto connosco, à análise do enquadramento jurídico aplicável aos petardos, em: "Petardos e responsabilidade penal: um enquadramento necessário".

[26]  Entendemos, contudo, que esta é a moldura contra-ordenacional prevista para a disponibilização de fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 em quantidade superior a 5 Kg de teor líquido de explosivo por consumidor (art.º 5.º n.º 2 do Regulamento n.º 1/2025, de 02 de Janeiro). 

 

3 – Reflexões finais e apelo à acção 

    Como certamente já se aperceberam, nos últimos tempos, a aquisição de artefactos pirotécnicos por consumidores não profissionais tem conhecido um aumento significativo, impulsionado, em larga medida, pela facilidade de acesso que a comercialização através da internet proporciona. 

    Tal realidade, além de potenciar riscos evidentes para a segurança e tranquilidade públicas, impõe uma acrescida responsabilidade cívica. 

    Incumbe, pois, à população, o dever de comunicar às entidades policiais qualquer acto relativo à venda (seja em estabelecimentos físicos, seja em plataformas digitais), posse ou utilização ilícitas destes produtos. [27] É também incumbência dos cidadãos denunciar a veiculação de anúncios desses produtos em redes sociais, fóruns ou outros meios digitais equivalentes. 

[27] Os processos contraordenacionais têm início não apenas mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras, mas igualmente por denúncia de particulares, cfr. art.º 54.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

    Compete, de igual modo, às forças de segurança, assegurar a aplicação das normas e instrumentos legais, atuando de forma firme e preventiva. 

    Como sabemos, a difusão de informação clara e rigorosa é um instrumento essencial de dissuasão. Neste sentido, penso que a partilha deste artigo nas plataformas digitais constituirá um contributo relevante para a consciencialização colectiva, reforçando a necessidade de cooperação entre cidadãos e autoridades na protecção da segurança pública e do bem-estar comunitário. 


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Petardos e responsabilidade penal: um enquadramento necessário


    Visando conduzir o leitor pelo raciocínio exposto, este artigo organiza-se da seguinte maneira: 

1 – Introdução;

2 – Mudanças normativas e interpretativas;

3 – O caso concreto dos petardos;

4 – Regime sancionatório;

4.1 – Utilização;

4.2  Posse, transporte e armazenagem;

4.3  Disponibilização no mercado;

5 Reflexões finais e apelo à acção.

 

1 – Introdução 

    Quem já leu o nosso artigo denominado “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais” certamente concluiu que consideramos que os petardos devem estar sujeitos a um regime jurídico distinto dos demais fogos-de-artifício. 

    A nossa posição, numa primeira análise, pode parecer incongruente com o texto legal, designadamente com o disposto na versão actual do art.º 86.º n.º 1 al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (diploma que aprovou o novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições, doravante apenas RJAM). 

    Contudo, consideramos que ela adquire plena consistência quando enquadrada numa análise mais ampla, que articule as dimensões literal, histórica, finalista e sistemática da norma. 

    Iniciemos, pois, essa análise.

 

2 – Mudanças normativas e interpretativas 

    Antes da entrada em vigor da Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho, [1] o RJAM não fazia qualquer referência expressa a artigos de pirotecnia (onde se incluem os petardos).

[1] Diploma que procedeu à quinta alteração do RJAM. 

    Ainda assim, havia autores, entre os quais me incluo, que entendiam que os petardos, pelas suas características, poderiam ser enquadrados na noção de “explosivo civil”. Consequentemente, a posse e/ou uso não autorizados, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, poderia subsumir-se no tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª a), do RJAM. [2] 

[2] A este propósito, vide o nosso artigo denominado: "Polícia quer Criminalizar Petardos". Também o Acórdão do TRP, de 12/10/2011, proc. 341/10.9SMPRT.P1, rel. Ricardo Costa e Silva, acedido e consultado aqui em 09/10/2025. 

    Com a entrada em vigor da Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho, o art.º 86.º n.º 1 al.ª d), do RJAM, passou a prever e a estatuir o seguinte: 

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:

(…)

d) (…) artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício de categoria 1 (…),é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; 

(…)”. [3[4[5]

 

[3] Negrito nosso.

[4] Com a Lei n.º50/2013, de 24 de Julho, foi introduzida, também no RJAM, mais precisamente no seu art.º 2.º n.º 5 al.ª af), a definição de “artigo de pirotecnia”, como sendo “qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas autossustentadas”.

[5] O “fogo-de-artifício de categoria 1”, na definição introduzida pelo art.º 2.º n.º 5 al.ª af), do RJAM, era: “o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais” (sublinhado nosso). Perante as particularidades que realçamos, claramente excluíamos os petardos do conceito de “fogo-de-artifício de categoria 1”. 

    A partir daquele momento, ficou claro que a posse e/ou uso de artigos de pirotecnia (incluindo, claro está, os petardos) passou a preencher, expressamente, o tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d), do RJAM. 

    Com a entrada em vigor da Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho [6], este art.º 86.º n.º 1 al.ª d) passou a abranger o seguinte: 

"d) (…) artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho (…), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias”. [7[8] 

[6] Diploma que procedeu à sexta alteração do RJAM.

[7] Sublinhado e negrito nossos.

[8] Quanto aos fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, são classificados do seguinte modo, nos termos do art.º 6.º n.º 3 al.ª a) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho:

Categoria F1: fogos-de-artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;

Categoria F2: fogos-de-artifício que apresentam um risco baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas;

Categoria F3: fogos-de-artifício que apresentam um risco médio, que se destinam a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana. 

    Curiosamente, a Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho, foi aprovada com o objectivo de transpor a Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio de 2017, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas, não abrangendo a posse ou utilização de artigos pirotécnicos

    Sendo assim, pode concluir-se que a presente redação (exceção) foi introduzida sem qualquer fundamento racional ou justificativo, como se depreende de todo o processo parlamentar desta lei (vide referência documental).

    Para piorar, a Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho, introduziu também, no art.º 2.º n.º 5 al.ª ag) do RJAM, a definição de “fogo-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho”, como sendo: 

o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais”. [9] 

[9] Sublinhado nosso. 

    Como podem reparar, curiosamente e incompreensivelmente, esta definição do RJAM coincide, ipsis litteris, com a definição de “fogo-de-artifício de categoria 1” (introduzida pela Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho – cfr. nota n.º [5]) e com a definição actual de fogos-de-artifício da categoria F1, contida no referido art.º 6.º n.º 3 al.ª a) i) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho (vide nota n.º [7]). 

    Sendo assim, não conseguimos perceber como é que esta definição restrita abrange também os fogos-de-artifício das categorias F2 e F3, já que, nos termos do art.º 6.º n.º 3 al.ª a) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho (ver nota n.º [7]

Os fogos-de artifício das categorias F2 e F3 apresentam um nível sonoro significante;

Os fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 não se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;

Os fogos-de-artifício da categoria F3 não apresentam um risco baixo, mas médio, e destinam-se a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas, não em áreas confinadas e muito menos no interior de edifícios residenciais. 

    Deste modo, à luz da interpretação conjunta destas normas, permanece incerto se os fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 se encontram realmente excluídos da al.ª d) do art.º 86.º n.º 1 do RJAM. [10] 

[10] No nosso artigo intitulado “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”, concluímos que, com excepção dos petardos, os fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 estão excluídos do âmbito da al.ª d) do art.º 86.º n.º 1 do RJAM. Perante o emaranhado legislativo, tivemos em consideração o disposto no art.º 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho. 

 

Petardos da categoria F3

3 – O caso concreto dos petardos 

    Na sequência da conclusão apresentada na secção anterior, passaremos a analisar tipos específicos de fogos-de-artifício, designadamente os petardos das categorias F2 e F3. 

    Nos termos do art.º 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, “a disponibilização no mercado de artigos de pirotecnia que satisfaçam os requisitos” daquele diploma legal “não pode ser proibida, restringida ou entravada”. 

    Contudo, nos termos do seu n.º 2, essa livre circulação “não prejudica as disposições legais, justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de proteção ambiental, destinadas a proibir ou restringir a posse, a utilização e ou a venda ao grande público de fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 (…)”. [11] 

[11] Sublinhado nosso. 

    Como é sabido, os petardos distinguem-se dos demais fogos-de-artifício pela súbita violência da detonação, cujo impacto se revela superior em intensidade sonora e potencial lesivo. 

    Por este motivo, já após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, o Ministério da Administração Interna decidiu aprovar a Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril, em cujo preâmbulo se pode ler que os petardos e os petardos flash [12], em relação aos demais fogos-de-artifício, comportam riscos acrescidos para a ordem, a segurança e a saúde públicas, sendo suscetíveis de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções. 

[12] Nos termos do art.º 3.º n.º 5 al.ªs a) e b) desta Portaria: um petardo é um “tubo não metálico contendo uma composição pirotécnica concebido para produzir um efeito sonoro (tiro)”; um petardo flash é um “tubo não metálico contendo uma composição de perclorato/metal ou nitrato/metal concebido para produzir um efeito sonoro (tiro) e luminoso”. 

    E, por esta razão, proibiu a comercialização de petardos e petardos flash da categoria F3 (independentemente da designação adotada) [art.º 3.º n.º 3 al.ª a)], e condicionou a venda de petardos e petardos flash de categoria F2, a qual deve ser precedida de uma autorização emitida pela Polícia de Segurança Pública, após avaliação dos fins a que se destinam [art.º 3.º n.º 4]. 

    Mas analisemos de novo o art.º 2.º n.º 5 al.ª ag) do RJAM, designadamente a definição de “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho” [11], agora somente a sua primeira parte: 

“(…) o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento (…)”. [13[14]

[13] Sublinhado nosso. 

[14] Como já referimos antes, esta noção coincide, ipsis litteris, com a definição actual de fogos-de-artifício da categoria F1 (nota n.º [8]), contida no referido art.º 6.º n.º 3 al.ª a) i) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho.   

    Ora, os petardos não estão destinados a ser utilizados para fins de entretenimento

    Apesar de o art.º 3.º n.º 4 da Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril, admitir a possibilidade de a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública (DNPSP) poder emitir uma autorização para utilização de petardos da categoria F2, mediante avaliação dos fins a que se destinam, o mesmo tem que ser conjugado com o art.º 31.º n.º 6 al.ª b) do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, RFACEPE (aprovado pelo Decreto-lei n.º 376/84, de 30 de Novembro). 

    Esta última norma estabelece que a autorização para o uso de petardos (bombas de arremesso) só pode ser concedida se eles se destinarem a uma finalidade não lúdica, “designadamente na defesa de produções agrícolas ou florestais, ou, ainda, para o exercício autorizado da caça de batida”. [15]

[15] Apesar de não revestir natureza normativa (mas reconhecendo a sua função hermenêutica), sugiro também a leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro, diploma que introduziu todo o n.º 6 no art.º 31.º do RFACEPE. 

    Segundo os especialistas, os petardos de categoria F2 são ineficazes para estas finalidades. E, sendo os de categoria F3 (que seriam os adequados) proibidos no mercado [pelo art.º 3.º n.º 3 al.ª a) da Portaria n.º 139/2017, 17 de Abril], na prática não têm existido pedidos de autorização para o seu uso. 

    Perante todo o exposto, entendemos que os petardos de categorias F2 e F3 não podem ser incluídos na definição de “fogo-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho”, prevista no art.º 2.º n.º 5 al.ª ag) do RJAM. 

    Por conseguinte, os petardos de categorias F2 e F3 não podem ser excluídos do tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM.

 

Fonte: Google Imagens

4 – Regime sancionatório 

4.1 Utilização 

A) Petardos da categoria F1

► De acordo com o anexo I [A, 1, a) iii) e iv)] do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho], os fogos-de-artifício da categoria F1 não abrangem “petardos, baterias de petardos, petardos «flash» e baterias de petardos «flash»”. Já relativamente aos estalinhos da categoria F1, “não devem conter mais de 2,5 mg de fulminato de prata”. 

Como este artigo se concentra especificamente em petardos, remetemos a análise da sanção relativa à utilização de fogos-de-artifício da categoria F1 para o nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”, nomeadamente para a secção 2.1.

B) Petardos das categorias F2 (sem autorização da DNPSP), F3 e F4: 

Crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM. [16] 

[16] Para a posição que sustenta que a utilização de petardos (de categorias F2 e F3) não deve implicar um regime jurídico distinto daquele que é aplicável aos demais fogos-de-artifício, lamentavelmente a utilização apenas é punida com uma coima nos casos previstos na secção 2.1 do nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”. 

C) Petardos de fabrico artesanal

► Por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM e com a argumentação ínsita no nosso artigo "Polícia quer Criminalizar Petardos", o seu utilizador incorre também na prática do crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, agora p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª a) do mesmo diploma legal.

 

4.2 Posse, transporte e armazenagem 

A) Petardos da categoria F1: 

► Pelos motivos já referidos em 4.1 A), remetemos a análise da sanção relativa à posse, transporte e armazenagem de fogos-de-artifício da categoria F1 para o nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”, nomeadamente para a secção 2.1.

B) Petardos das categorias F2 (sem autorização da DNPSP), F3 e F4: 

► Crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM. [17] 

[17] Para a posição que sustenta que a posse de petardos (de categorias F2 e F3) não deve implicar um regime jurídico distinto daquele que é aplicável aos demais fogos-de-artifício, a posse apenas é punida com uma coima nos casos previstos na secção 2.1 do nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”.

 C) Petardos de fabrico artesanal

► Por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM e com a argumentação ínsita no nosso artigo "Polícia quer Criminalizar Petardos", o seu utilizador incorre também na prática do crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, agora p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª a) do mesmo diploma legal.

 

4.3  Disponibilização no mercado 

A) Petardos da categoria F1:

 Pelos motivos referidos em 4.1 A) remetemos a análise da sanção relativa à disponibilização no mercado de fogos-de-artifício da categoria F1 para o nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”, nomeadamente para a secção 2.3.

B) Petardos das categorias F2 (sem autorização da DNPSP), F3, F4 e de fabrico artesanal: 

► Os operadores económicos (fabricante, importador ou distribuidor) que procedam à venda deste tipo de artigos pirotécnicos incorrem na prática do crime de “tráfico e mediação de armas”, p. e p. no art.º 87.º n.º 1, do RJAM, por referência, respectivamente, às al.ªs d) [categorias F2, F3 e F4] e a) [fabrico artesanal] do n.º 1 do art.º 86.º, do mesmo diploma legal. [18] 

[18] Para quem sustenta que os petardos (de categorias F2 e F3) não devem estar sujeitos a regime jurídico distinto do aplicável aos demais fogos-de-artifício, as conclusões sancionatórias revelam-se inconciliáveis com a coerência do sistema jurídico. Vide, a este propósito, a secção 2.3 do nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”. 

 

5  Reflexões finais e apelo à acção 

    Quer concordemos com as conclusões expostas ou não, o certo é que – disso ninguém terá dúvidas –, independentemente da natureza da sanção, a utilização, a posse, o transporte, a armazenagem e a distribuição de petardos das categorias F2, F3 e F4, bem como dos de fabrico artesanal, são proibidos. [19 

[19] Por conseguinte, reproduz-se a seguir o conteúdo da secção 3 do nosso artigo “Fogos-de-artifício em meio habitacional: proibições legais”, com as necessárias adaptações. 

    E, como certamente já se aperceberam, nos últimos tempos, a aquisição e a utilização de petardos por consumidores não profissionais têm conhecido um aumento significativo, impulsionado, em grande medida, pelo seu baixo preço e pela facilidade de acesso que a comercialização por via da internet proporciona. 

    Os estrondos provocados pelo seu lançamento constituem fenómenos acústicos de elevada intensidade, suscetíveis de provocar estados de alarme e intranquilidade social, impondo, por isso, uma acrescida responsabilidade cívica. 

    Incumbe, pois, à população, o dever de comunicar às entidades policiais qualquer acto relativo à venda (seja em estabelecimentos físicos, seja em plataformas digitais), posse, armazenagem ou utilização destes produtos. É também incumbência dos cidadãos denunciar a veiculação de anúncios desses produtos em redes sociais, fóruns ou outros meios digitais equivalentes. 

    Compete, de igual modo, às forças de segurança, assegurar a aplicação das normas e instrumentos legais, atuando de forma firme e preventiva. 

    Como sabemos, a difusão de informação clara e rigorosa é um instrumento essencial de dissuasão. Neste sentido, penso que a partilha deste artigo nas plataformas digitais constituirá um contributo relevante para a consciencialização colectiva, reforçando a necessidade de cooperação entre cidadãos e autoridades na protecção da segurança pública e do bem-estar comunitário.


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