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I – Introdução
No nosso artigo denominado “crimes contra animais de companhia – gestão do local do crime”, começámos por afirmar que, desde a entrada
em vigor dos crimes contra animais de companhia (1 de Outubro de 2014) até ao
final do ano de 2023, foram registados, pelas autoridades policiais, 16.455
crimes.
Porém, desses casos registados pelas autoridades policiais,
apenas cerca de 3,84% resultaram em condenação (562 condenações). [1]
[1] Na
data em que este artigo foi publicado, ainda não existiam dados estatísticos
relativos ao ano de 2024.
Afirmámos também que, entre os motivos que poderiam
justificar uma percentagem tão reduzida, estava a falta de preservação imediata
e meticulosa da prova no local do crime.
Outro motivo que pode justificar uma percentagem tão
baixa é a inexacta qualificação jurídica dos factos pelas
autoridades policiais.
Temo-nos apercebido de que, de um modo geral, as situações
de morte, “maus tratos” ou abandono de animais (de companhia ou não) são comunicadas,
pelas autoridades policiais, ao Ministério Público, seja por intermédio de auto
de notícia ou simples participação.
Existem situações, contudo, que não preenchem os tipos de
crime de morte, maus tratos ou abandono de animal de companhia, ps. e ps. pelos
art.ºs 387.º e 388.º do Código Penal (CP), mas outros tipos criminais ou
contraordenacionais.
II – Casos práticos (ficcionados) usualmente qualificados, pelas autoridades policiais, como crime de morte e
maus tratos de animais de companhia, p. e p. pelo art.º 387.º do CP].
1.º Caso Prático:
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João deslocou-se ao posto policial mais próximo para
apresentar uma queixa contra o seu vizinho, Pedro, alegando que este disparou
intencionalmente sobre o seu cão, causando-lhe a morte.
Para comprovar a sua titularidade sobre o animal, João
apresentou o Documento de Identificação do Animal de Companhia (DIAC), onde
constava o seu nome como detentor registado.
Num olhar menos atento, a situação descrita seria desde logo
enquadrada no art.º 387.º n.º 1 do CP (e assim ficaria registada para efeitos estatísticos), que prevê e estatui o seguinte:
“Quem, sem motivo
legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2
anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
[2] [3]
[2] – Negrito nosso.
[3] – Não se enquadraria no tipo de crime p. e p. pelo art.º 387.º n.º 4, do Código Penal, pois este é um crime preterintencional, que se
caracteriza pela conjugação de um crime doloso (previsto no n.º 3) com um
resultado (“morte, privação de importante
órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção”)
provocado pela conduta do agente, não compreendido no dolo, mas imputável a
título de negligência, consciente ou inconsciente (art.º 18.º do CP).
Apesar disso, o legislador,
incompreensivelmente, decidiu punir a morte dolosa e a “morte
preterintencional” de modo igual, ou seja, com uma pena de prisão de 6
meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias…
O segmento por nós assinalado a negrito consagra, de modo
expresso, a regra da subsidiariedade. Sendo assim, estando este crime numa
relação de concurso aparente com o crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º n.º 1 do CP [4], e
sendo este último punível com uma pena máxima abstrata superior (pena de prisão
até 3 anos ou multa até 360 dias, cfr. art.º 47.º n.º 1 do CP), é este que é
aplicável.
[4] Art.º 212.º n.º 1 do CP: “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar
ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão
até três anos ou com pena de multa” (sublinhado nosso). No caso concreto, a morte do animal
corresponde, no crime de dano, a uma destruição total.
A cláusula de subsidiariedade expressa, referida no
parágrafo anterior, foi introduzida pela Lei n.º 39/2020, de 18 de Agosto.
Antes da sua entrada em vigor, a maioria da doutrina [5] entendia que, no caso de morte de um animal de
companhia, o agente devia ser punido, em concurso efectivo (ideal), pelos dois
crimes (maus tratos de animal de companhia e dano), atenta a diferença dos bens
jurídicos protegidos por cada um deles (a vida ou integridade física dos
animais de companhia e a propriedade dos detentores).
[5] Vide,
v. g., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, anot. 15 ao
art.º 387.º.
Actualmente, na determinação concreta da pena, mais precisamente na
graduação da ilicitude do facto [art.º 71.º n 2 al.ª a) do CP], o julgador deve
ter em consideração, desde logo, a dimensão do bem jurídico ofendido.
Sendo assim, estando em causa a morte de um animal de
companhia, a pena aplicável ao crime de dano nunca poderá ser inferior a
6 meses de prisão ou 60 dias de multa, já que estes são os limites mínimos da
moldura penal do crime de “morte de
animal de companhia”, p. e p.
pelo art.º 387.º n.º 1 do CP.
2.º Caso Prático:
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Pedro residia numa casa cujas traseiras eram frequentemente
visitadas por gatos errantes. Com o passar do tempo, começou a sentir-se cada
vez mais incomodado com a presença constante dos animais e decidiu
envenená-los.
Com esse propósito, adquiriu uma substância tóxica,
misturou-a com comida húmida própria para gatos e deixou-a no local onde os
animais se alimentavam habitualmente.
Por sorte, uma das cuidadoras da colónia apercebeu-se da
situação. Conhecendo bem a aversão de Pedro aos gatos, interveio a tempo e
retirou a comida antes que os animais a ingerissem, impedindo, assim, um
desfecho trágico.
Parece-nos que a conduta do Pedro configura uma tentativa de
crime de “morte e maus tratos de animais de companhia”, nos termos dos art.ºs 22.º n.ºs 1 e 2 al.ª b) ou c), art.º 387.º n.º 1, e 389.º n.ºs 1 e 3, todos do CP.
Esta tentativa, contudo, não é punível, pois, como sabemos,
o art.º 387.º do CP não o prevê expressamente e, ao crime consumado,
corresponde uma pena inferior a 3 anos de prisão (cfr. art.º 23 n.º 1 do CP). [6] [7]
[6]
Considerando o exemplo anterior, se os gatos estivessem registados no SIAC, o
respectivo titular poderia apresentar uma queixa por crime de dano na forma
tentada, já que esta tentativa é punível [art.ºs 22.º n.ºs 1 e 2 al.ª b) e
art.º 212.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do CP].
[7] Tal
como a tentativa, também a conduta negligente não é punível, já que este é um
crime exclusivamente doloso (cfr. art.ºs 13.º e 15.º do CP). O mesmo sucede com o crime de dano.
Então, neste caso, a conduta do Pedro permaneceria impune?
A nossa resposta é negativa, vejamos porquê.
Não obstante a criação do crime de “morte e maus tratos de
animal de companhia” (art.º 387.º do CP), o legislador decidiu manter uma norma
com conteúdo muito semelhante no Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro (diploma
que estabelece as medidas complementares das disposições da Convenção Europeia
para a Proteção dos Animais de Companhia).
Assim, determina, o seu art.º 7.º n.º 3, que: “São proibidas todas as violências contra
animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se
infligir a morte, o sofrimento ou lesões a um animal”.
A violação do disposto neste art.º 7.º n.º 3 constitui uma contraordenação
economia muito grave, punível com uma coima de 2000 a 7500 euros, tratando-se
de pessoa singular [art.º 68.º n.º 2 al.ª d) do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17
de Outubro, e art.ºs 17.º e 18.º al.ª c) i) do regime Jurídico das
Contraordenações Económicas (RJCE)].
Contrariamente ao que sucede no crime de “morte e maus
tratos de animal de companhia”, nesta contraordenação “(a) tentativa e a negligência são puníveis nos termos do RJCE”
(cfr. art.º 68.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro).
Estabelece, o art.º 13.º n.º 3, do RJCE, que: “A tentativa é punível nas contraordenações
económicas graves e muito graves, sendo os limites mínimos e máximos da
respetiva coima reduzidos para metade (..)”. [8]
[8] Em
caso de negligência, também os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis
são reduzidos para metade, cfr. art.º 8.º n.º 2 do RJCE.
Perante todo o exposto, podemos concluir que a conduta do
Pedro constitui uma contraordenação economia muito grave, praticada na forma
tentada, sendo punível com uma coima de 1000 a 3750 euros.
Sendo assim – porque a impunidade alimenta o descrédito nas
leis e nas autoridades, e corrói os pilares da ordem e da justiça –, se o
Ministério Público decidir arquivar um inquérito por entender que a conduta que
motivou a sua abertura foi praticada na forma tentada ou de forma negligente,
deve, na nossa opinião:
Nos termos do preceituado nos art.ºs 38.º n.º 3 e 40.º n.º 2
do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, extrair certidão dos elementos
pertinentes e remetê-los ao ICNF, I.P., a quem compete, nos termos do art.º 6.º n.º 7 al.ª ii) do Decreto-lei n.º 43/2019, de 29 de Março, «instruir os processos de contraordenação em
matéria da detenção e do bem-estar dos animais de companhia previstos nos
Decretos-Leis n.ºs 276/2001, de 17 outubro, na sua redação atual (…)”. [9]
[9] Mesmo
que não tenham sido cumpridos os prazos de duração máxima do inquérito
criminal (previstos no art.º 276.º do Código de Processo Penal), o prazo de prescrição do procedimento de contraordenação (sem
prejuízo das causas de interrupção e de suspensão que se venham a verificar), é
de 5 anos [art.º 36.º al.ª a) do Regime Jurídico das Contraordenações
Económicas (RJCE)].
3.º Caso Prático
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O Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA)
recebeu uma denúncia sobre um cão de porte médio que vivia permanentemente num
pequeno pátio. Em resposta, os militares deslocaram-se ao local, sem aviso
prévio, e constataram o seguinte:
● O cão permanecia sempre no pátio, que tinha uma área
aproximada de 5 metros quadrados, sendo que 1 metro quadrado era ocupado por
uma casota improvisada, incapaz de fornecer proteção adequada contra condições
climáticas adversas;
● O chão encontrava-se coberto de dejetos, sem indícios de
limpeza regular;
● Os recipientes de comida e água estavam visivelmente
sujos, e a água disponível apresentava-se ligeiramente turva.
Como sabemos, para que uma conduta se subsuma no tipo de
crime de “maus tratos de animal de
companhia”, p. e p. pelo art.º 387.º n.º 3, do CP, é necessário que, sem
motivo legítimo, alguém inflija “dor,
sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia”.
A “dor” e o “sofrimento”, enquanto resultados da conduta
típica, podem ser facilmente reconhecidos pela experiência quotidiana [10], podendo também derivar de
manifestações comportamentais [11]
e/ou fisiológicas [12], cujos
sinais podem ser apenas perceptíveis por pessoas com conhecimentos
especializados (sobretudo médicos veterinários).
[10] Por
exemplo, a dor e o sofrimento causados por um golpe violento ou uma mutilação são
reconhecíveis de forma imediata e clara pela maioria das pessoas.
[11]
Manifestações comportamentais de: dor
[v. g., vocalização excessiva (miar,
latir, uivar), lamber ou morder áreas específicas do corpo, agressividade ou
retracção); sofrimento [e. g., apatia ou falta de interesse em
atividades normais, comportamentos repetitivos ou estereotipados, alterações
nos padrões alimentares e de sono].
[12]
Manifestações fisiológicas de: dor
[p. e., alterações na respiração e frequência cardíaca, tensão muscular]; sofrimento
[v. g., perda de peso, pelagem opaca].
Já no que concerne à expressão “quaisquer outros maus tratos físicos”, tal como foi referido no
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 70/2024, existe uma “indefinição quanto ao conteúdo da ação”
que causa dúvidas, “nos seus normais
destinatários, sobre o concreto recorte das condutas proibidas”.
Perante esta indefinição e visto que, no art.º 387.º n.º 3,
do CP, se confunde, manifestamente, a conduta causal (maus tratos) e os seus
efeitos (dor ou sofrimento), entendemos que um “maltrato físico” que não cause
dor e/ou sofrimento não pode ser punido criminalmente.
Regressando ao nosso caso prático, embora reconheçamos que
as condições em que o cão se encontrava estavam longe daquilo que se poderia
considerar ideais, não estamos perante uma situação em que a “dor” e/ou
“sofrimento” resultam claramente da experiência quotidiana.
O SEPNA poderia, contudo, solicitar a presença do médico
veterinário municipal para interpretar sinais de dor e/ou sofrimento por meio
do comportamento e da fisiologia do animal.
Inexistindo dor e/ou sofrimento, a situação enquadrar-se-ia
no tipo contraordenacional previsto no art.º 68.º n.º 1 al.ª f) do Decreto-lei
n.º 276/2001, de 17 de Outubro, por violação dos art.ºs: 6.º (1.ª parte); 7.º n.º 1; 8.º n.º 1 al.ª a); 9.º n.º 6; 12.º n.ºs 4 e 6; e 14.º n.ºs 1, 2 e 5;
todos do mesmo diploma legal, sendo punível com uma coima de 650 a 1500 euros
(tratando-se de pessoa singular), nos termos do art.ºs 17.º e 18.º al.ª b) i)
do RJCE.
À semelhança do exemplo anterior, entendemos que, se o
Ministério Público decidir arquivar um inquérito por entender que a conduta que
motivou a sua abertura não configura um crime contra animais de companhia,
deve, nos termos do preceituado nos art.ºs 38.º n.º 3 e 40.º n.º 2 do Decreto-lei
n.º 433/82, de 27 de Outubro, extrair certidão dos elementos pertinentes e
remetê-los ao ICNF, I.P., para instrução do processo de contraordenação. [13]
[13] Pode
também suceder que, perante a situação descrita, a autoridade policial
competente lavre desde logo um auto de notícia por contraordenação e o remeta
ao ICNF, IP. Neste caso, se este organismo considerar que a infracção constitui
crime pode remeter o processo ao Ministério Público (que o devolve se
assim não entender), cfr. art.º 40.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 433/82, de
27 de Outubro.
A título de curiosidade, vale a pena referir que, neste
caso, a prescrição do procedimento contraordenacional suspende-se (até 6 meses)
desde o envio do processo ao Ministério Público até à sua eventual devolução, cfr. art.º27.º-A n.º 1 al.ª b e n.º 2 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
4.º Caso Prático
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O Rui encontrava-se num jardim público quando avistou um pombo
pousado no chão a debicar um pedaço de pão.
Sem qualquer motivo aparente, decidiu desferir-lhe um
pontapé. O impacto foi tão intenso que causou a morte imediata do
animal.
No exacto momento da agressão, uma patrulha da PSP passava
pelo local e testemunhou os factos, abordando o Rui de imediato.
Como sabemos, no art.º 387.º n.º 1, do CP, pune-se “com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou
com pena de multa de 60 a 240 dias (…)”, “(q)uem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia”.
Considera-se animal de companhia, “qualquer animal detido [14]
ou destinado a ser detido [15] por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e
companhia” (art.º 389.º n.º 1 do CP).
[15] Os
animais destinados a ser detidos (usualmente cães e gatos) são os que se
encontram, por natureza ou culturalmente (em virtude de um longo processo
histórico), numa posição de particular vulnerabilidade e dependência em relação
aos seres humanos. Os cães, os gatos e os furões são considerados animais de
companhia mesmo que se encontrem em estado de abandono ou errância (art.º 389.º n.º 3 do CP, cjg. com o art.º 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 82/2019, de 27 de Junho.
[14] Já
relativamente aos animais efetivamente detidos (que poderão ser
os do art.º 389.º n.º 2 do CP, quando detidos para entretenimento e companhia), seguimos
o entendimento de que apenas serão incluídos os animais que não sofreram, ou
que não têm a capacidade de sofrer, qualquer processo de hominização que os
torne particularmente dependentes da ação humana.
Por exemplo, um escorpião, uma lagartixa ou um louva-a-deus podem
ser detidos por seres humanos para entretenimento e “companhia”, mas se forem
devolvidos à natureza conservam as suas capacidades de sobrevivência intactas.
No nosso caso prático, estaria desde logo afastado o tipo de
crime do art.º 387.º n.º 1, do CP, pois o pombo urbano não se inclui na noção
de “animal de companhia”.
Também estaria afastado o tipo contraordenacional previsto
no art.º 68.º n.º 2 al.ª d), por violação do art.º 7.º n.º 3 (já referido no
nosso 2.º caso prático) [16],
ambos do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro.
[16]
Embora o art.º 7.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, refira
apenas “animal”, não podemos esquecer que este diploma legal veio estabelecer medidas
complementares das disposições da “Convenção Europeia para a Proteção dos
Animais de Companhia”.
Sendo assim, “animal” deve ser entendido como “animal de
companhia”, ou seja “qualquer animal
detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, para
seu entretenimento e companhia” [cfr. art.º 2.º n.º 1 al.ª a) do Decreto-lei
n.º 276/2001, de 17 de Outubro].
Não obstante o afastamento destas duas normas, a conduta do
Rui não ficaria impune, pois, nos termos do art.º 1.º n.º 1 da Lei de Protecção
aos Animais (aprovada pela Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro [17], “(s)ão proibidas todas as violências injustificadas contra animais,
considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se
infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.
[17] Desde
a entrada em vigor desta Lei (17 de Setembro de 1995) até ao dia 01 de Março de
2022, esta era uma proibição sem qualquer sanção. A Lei n.º 6/2022, de 07 de Janeiro, veio dar resposta à insuficiência legislativa,
criando um regime contraordenacional.
Sendo assim, a morte do pombo, nas condições descritas,
constitui uma contraordenação punível com uma coima de 200 a 3740 euros (porque
praticada por pessoa singular), cfr. art..º 12.º n.º 1 da Lei n.º 92/95, de 12
de Setembro.
Na eventualidade de o auto de notícia ou participação ter
sido remetido para o Ministério Público, também aqui entendemos que, nos termos
do preceituado nos art.ºs 38.º n.º 3 e 40.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 433/82, de
27 de Outubro, após o arquivamento do processo (por os factos não constituírem
crime), deve ser extraída certidão dos elementos pertinentes e enviada para a
câmara municipal da área onde foi praticada a infracção (para instrução do
correspondente processo de contraordenação), cfr. art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º
92/95, de 12 de Setembro. [18]
[18] Neste
caso, o prazo de prescrição do procedimento de contraordenação (sem prejuízo
das causas de interrupção e de suspensão que se venham a verificar), é de 3 anos [art.º 27.º al.ª b) do
Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro].
III – Casos práticos (ficcionados) usualmente qualificados, pelas autoridades policiais, como crime de
abandono de animais de companhia, p. e p. pelo art.º 388.º n.º 1, do CP]. [19]
[19] Nos
termos do art.º 388.º n.º 1, do CP: “(q)uem, tendo o dever de guardar, vigiar ou
assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua
alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com
pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias”
(sublinhado nosso).
5.º Caso Prático:
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Carlos, após ter adoptado um cão num abrigo, decidiu que, afinal, não era o animal de companhia que queria.
Em vez de procurar uma solução adequada para a situação, Carlos optou por abandonar o cão à porta de um prédio, deixando-o preso, pela trela, ao puxador da porta.
Cerca de uma hora depois, uma das moradoras do prédio avistou o animal e contactou com as autoridades policiais.
O crime de abandono de animais de companhia encontra-se numa
relação de concurso aparente com a contraordenação (abandono de animais de
companhia) prevista no art.º 68.º n.º 2 al.ª c) do Decreto-lei n.º 276/2001, de
17 de Outubro.
Considera-se abandono
de animais de companhia "a não prestação de cuidados no alojamento, bem como a
sua remoção efetuada pelos seus detentores para fora do domicílio ou dos locais
onde costumam estar mantidos, com vista a pôr termo à sua detenção, sem que
procedam à sua transmissão para a guarda e responsabilidade de outras pessoas,
das autarquias locais ou das sociedades zoófilas” (art.º 6.º-A do Decreto-lei
n.º 276/2001, de 17 de Outubro).
Sendo assim, se o abandono de animal de companhia não puser
em perigo (concreto) a sua alimentação [20] e/ou a prestação de cuidados que lhe são devidos
[21] (por ter sido socorrido
a tempo, como parece ter sucedido no caso concreto), estamos perante um
abandono contraordenacional (contraordenação económica muito grave) punível com
uma coima de 2000 a 7500, tratando-se de pessoa singular [art.º 68.º n.º 2 al.ª c) do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, e art.ºs 17.º e 18.º al.ª c) i) do Regime
Jurídico das Contraordenações Económicas.
[20]
Embora o legislador refira apenas “alimentação”, pretende abranger, como é
óbvio, também o acesso a água, de forma contínua ou suficiente para satisfazer
as suas necessidades básicas.
[21] Na
prestação de cuidados devidos incluem-se, e. g.:
● Assegurar-lhe um local de alojamento digno, adequado a protegê-lo das intempéries, e seguro (capaz de evitar, v. g., ataques de outros animais e
o risco de atropelamento);
● Não privá-lo de medicação contínua, seja para doenças
crónicas (ex.: diabetes, insuficiência renal) ou para recuperação de uma
condição de saúde (ex.: infecção);
● Promover-lhe o bem-estar físico e mental, evitando
sofrimento e angústia (vide art.º 3.º n.ºs 1 e 2 do Decreto n.º 13/93, de 13 de
Abril, que aprovou a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de
Companhia).
Na eventualidade de o auto de notícia ou participação ter
sido remetido para o Ministério Público, também aqui entendemos que, nos termos
dos art.ºs 38.º n.º 3 e 40.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro,
após o arquivamento do processo (por os factos não constituírem crime), deve
ser extraída certidão dos elementos pertinentes e enviada para o ICNF, I.P., a
quem compete, nos termos do art.º 6.º n.º 7 al.ª ii) do Decreto-lei n.º 43/2019,
de 29 de Março, instruir o processo de contraordenação.
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Daniel, um caçador experiente, sempre contou com o seu cão de caça, Max, para o acompanhar nas suas jornadas.
No entanto, com o avançar da idade, o Max começou a demonstrar sinais de cansaço, já não conseguindo acompanhar o ritmo intenso das caçadas.
Assim, durante uma caçada numa zona florestal remota, o Daniel decidiu abandonar o Max no local, por o animal já não lhe ser útil.
Por sorte, cerca de uma hora depois, Jorge, um morador da aldeia mais próxima, encontrou o Max e contactou as autoridades policiais para relatar o sucedido.
Considerando o disposto no art.º 389.º n.ºs 1 e 3 do CP, cjg. com o art.º 4.º n.º 1 do Decreto-Lei
n.º 82/2019, de 27 de Junho, poderíamos concluir, desde logo – MAL, na nossa
opinião – que, não se tendo verificado o perigo concreto exigido pelo art.º 388.º n.º 1 do CP, a solução jurídica seria a mesma do caso prático anterior (abandono contraordenacional).
Contudo, da conjugação dos art.ºs 6.º n.º 1 e 30.º n.º 1,
ambos da Lei da Caça (aprovada pela Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro), e art.º 4.º al.ª g) do Regulamento da Lei de Bases Gerais da Caça (Decreto-lei n.º
202/2004, de 18 de Agosto), resulta que:
“Tendo em vista a
conservação da fauna e, em especial, das espécies cinegéticas, é proibido (…)
abandonar os animais que auxiliam e acompanham o caçador no exercício da caça,
sob pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias”.
Mas que animais encontram protecção nesta norma?
Nos termos do art.º 78.º n.º 1 al.ªs e), f) e h) do
Regulamento da Lei de Bases Gerais da Caça, os cães de caça, os furões e os
cavalos.
Na nossa opinião, havendo convergência de normas jurídicas,
este tipo de crime seria aplicável mesmo que se verificasse o perigo concreto
exigido pelo art.º 388.º n.º 1, do CP, por força do princípio “lex speciallis derogat legi generali”.
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Duarte, residente numa zona rural, possuía duas ovelhas que,
durante algum tempo, manteve no terreno do seu vizinho, Fernando. Este, ao
aperceber-se da presença dos animais, exigiu que Duarte os retirasse
imediatamente da sua propriedade, recusando qualquer possibilidade de
permanência.
Sem alternativas imediatas para realojar as ovelhas, e
perante a pressão do vizinho, Duarte acabou por tirá-las de lá e largá-las num
local público.
Passadas algumas horas, as ovelhas foram encontradas por
populares, que alertaram as autoridades policiais.
Desde o dia 01 de Março de 2022 (dia da entrada em vigor da
Lei n.º 6/2022, de 07 de Janeiro) esta conduta passou a constituir uma
contraordenação punível com uma coima de 200 a 3740 euros (tratando-se de
pessoa singular), nos termos do art.º 12.º n.º 1 da Lei n.º 92/95, de 12 de
Setembro, por violação do art.º 1.º n.º 3 al.ª d) deste mesmo diploma legal, que
proíbe o seguinte:
“Abandonar intencionalmente na via pública animais que
tenham sido mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou
numa instalação comercial ou industrial”.
Neste caso, a autoridade policial que compareceu no local
devia lavrar o correspondente auto de notícia por contraordenação e remetê-lo
para a câmara municipal da área onde foi praticada a infracção (para instrução
do correspondente processo de contraordenação), cfr. art.º 14.º n.º 1 da Lei
n.º 92/95, de 12 de Setembro.
Se o auto de notícia ou participação tiver sido sido
remetido para o Ministério Público, após o arquivamento, deve ser adoptado, ipsis litteris, o procedimento referido
no último parágrafo do nosso caso prático n.º 4.
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