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Fonte: Google Imagens |
Foi recentemente avançada, pela comunicação social, uma proposta de lei do Governo, relativa à obrigatoriedade da instalação de câmaras de videovigilância em bancos, farmácias, bombas de gasolina, ourivesarias e estabelecimentos comerciais de grande dimensão. Esta proposta de lei vem substituir o Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, diploma que regula, actualmente, o exercício da actividade de segurança privada.
Reconhecemos que o recurso obrigatório a sistemas de videovigilância, embora implique um aumento dos custos das empresas daqueles sectores, face à escalada dos níveis de criminalidade nos locais anunciados, poderá funcionar como um factor preventivo e dissuasor, motivo pelo qual é de aplaudir, desde já, a proposta.
Mas, vejamos o que é isto da videovigilância e qual o seu enquadramento no panorama jurídico-nacional. Quando nos referimos à videovigilância, reportamo-nos ao sistema de controlo de vídeo, constituído por uma ou mais câmaras, destinadas a recolher imagens e som, de pessoas que circulam em determinado espaço.
Embora reconhecidas as vantagens da sua utilização, estão em causa restrições de direitos, liberdades e garantias, das pessoas nela registadas, nomeadamente, do direito à imagem, à reserva da vida privada (art.º 26.º n.º 1 da CRP), ou à liberdade de deslocação e fixação (art.º 44.º n.º 1 da CRP).
Em regra, nos locais objecto de videovigilância, é obrigatória à entrada, em local bem visível, a afixação de um aviso anunciando que, por razões de segurança, existe um sistema de gravação de imagens e som [cfr. art.º13.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, e art.º 3.º n.º 1 al.ª b) do Decreto-Lei n.º 101/2008, de 16 de Junho.
Perante tal aviso, qualquer pessoa que pretenda aceder aqueles locais, sabe que, inevitavelmente, a sua imagem e, por vezes, as suas palavras, serão alvo de gravação. Sendo assim, se entra é porque consente. Estando em causa bens jurídicos livremente disponíveis (imagem, vida privada e liberdade de deslocação e fixação), o consentimento exclui a ilicitude penal da gravação [art.º 38.º do Código Penal (CP)]. E, existindo continuidade entre a licitude penal e processual, serão de validar no âmbito do processo penal, as imagens e sons obtidos, enquanto meio de prova de um crime (cfr. art.º 126.º n.º 3 do Código de Processo Penal).
No entanto, tendo em consideração que os bancos, as farmácias, as bombas de gasolina e grande parte dos estabelecimentos comerciais de grande dimensão, contemporaneamente, são locais imprescindíveis ao dia-a-dia dos cidadãos, tal consentimento seria forçado. Acresce o facto, de que, àqueles locais poderão aceder pessoas que não conseguem avaliar o sentido e o alcance desse seu consentimento (v.g., menores de 16 anos, pessoa cega, analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa, etc).
Como tal, a coarctação dos direitos fundamentais referidos não encontrará legitimação só por via do consentimento dos visados, devendo, ainda, encontrar-se legitimada pela lei e pela Constituição, e, desde que, tal restrição se limite ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º n.º 2 da CRP).
Estamos perante o princípio material da proibição de excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo, que se desdobra em três subprincípios: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Sendo assim, penso que a instalação de sistemas de videovigilância se assume como necessária, do ponto de vista da eficácia, para a prossecução de interesses constitucionalmente protegidos, a saber: o direito à segurança de pessoas e bens, art.º 27.º n.º 1 da CRP, prevenindo e dissuadindo condutas criminosas; bem como a busca da verdade material e a realização da justiça, captando factos susceptíveis de servirem de prova em processo penal, no caso de crime cometido.
Revela-se ainda uma medida idónea à prossecução desses mesmos interesses, sendo que, do ponto de vista da proporcionalidade, as vantagens dela retiradas, no que concerne ao interesse público, são superiores aos sacrifícios impostos aos direitos fundamentais supra referidos.
Tendo em consideração que as imagens e som, obtidos, integram a noção de dados pessoais, contida no art.º 3.º al.ª a) da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Protecção de Dados Pessoais), foi solicitado pelo Governo, de forma prévia, um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). Entendo, no entanto, que estando em causa dados pessoais, e perante o conteúdo do art.º 35.º n.º 2 da CRP, deveria ser a própria CNPD a autorizar a instalação de videovigilância, já que, ainda que o parecer viesse a ser negativo, este teria somente carácter consultivo, não vinculando a entidade solicitante.
Contudo, não é a mera instalação de câmaras de videovigilância que restringe os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas sim a visualização das imagens e sons recolhidos, o seu tratamento e difusão [art.º 3.º al.ª b) da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro]. É aqui que deve incidir a actividade legislativa, de modo a evitar que lhes seja dado um fim diferente daquele para o qual foram autorizadas (v.g., que um empregador utilize as imagens de videovigilância para controlar a actividade laboral dos seus funcionários);
Deste modo, entendo que a visualização, tratamento e difusão de dados, deveria ser sempre efectuada por entidade independente do sector de actividade, v.g., uma empresa de segurança privada, ficando o seu responsável, mesmo após a cessação de funções, vinculado ao sigilo profissional, sob pena da prática de um crime de violação de segredo (art.º 195.º do Código Penal).
Estes deveriam, ainda, manter um contacto efectivo com as entidades policiais, comunicando-lhes, de imediato, não só situações de crime consumado, mas de perigo concreto que ameace os bens jurídicos tidos como mais importantes na sociedade, entre eles, a vida e a integridade física.
No que concerne ao tempo de conservação das imagens e sons, entendo que é razoável o prazo actual de 30 dias (art.º 13.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro). Após decorrido este período, devem as imagens e sons, até então conservados, ser destruídos, salvo, se a sua conservação e posterior entrega forem determinadas pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei penal e processual penal.
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AVISO: Todo o conteúdo deste texto encontra-se protegido por Direitos de Autor, sendo expressamente proibida a sua cópia, reprodução, difusão ou transmissão, utilização, modificação, venda, publicação, distribuição ou qualquer outro uso, total ou parcial, comercial ou não comercial, quaisquer que sejam os meios utilizados, salvo, com a concordância do seu autor, Paulo Soares, ou então, desde que claramente identificada a sua origem, ao abrigo do direito de citação.
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