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O Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 07/11/2023 (proc. n.º 59/22.0GBABT.E1, rel. Moreira das Neves), decidiu que:
“As forças policiais não podem exigir a identificação de uma pessoa que não seja suspeita da prática de qualquer crime, sob pena de desobediência. Não sendo legítima a sequente detenção por prática deste crime.”
No que concerne aos factos, em suma:
«No dia 20 de março de 2022, pelas 20h30, o arguido encontrava-se no Largo …., junto ao lote …, …, ali estando presentes os militares da GNR, devidamente uniformizados e identificados, BB e CC, para tomar conta da ocorrência de desacatos familiares.Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido dirigiu-se aos militares da GNR BB e CC colocando o seu corpo entre os dos militares e os dos visados pela ação de fiscalização levada a cabo por estes.O militar da GNR, sargento BB transmitiu ao arguido que tinha que se afastar e permitir que os militares procedessem à identificação dos visados no desacato que ocorrera, ao que o arguido recusou afastar-se.Nessa sequência, o militar da GNR BB transmitiu ao arguido que perante a sua conduta de tentar impedir a intervenção dos militares sobre os intervenientes no aludido desacato, o mesmo teria que se identificar.O arguido dirigiu-se ao militar da GNR Sargento BB afirmando que não se identificava.O militar da GNR BB transmitiu ao arguido que caso não apresentasse a sua identificação incorria na prática de um crime de desobediência e procederia à sua detenção.O militar da GNR solicitou então ao arguido novamente a identificação e transmitiu-lhe que, caso não o fizesse, incorria num crime de desobediência, ao que o arguido negou mais uma vez fornecer a sua identificação.O militar BB deu voz de detenção ao arguido, tentou segurar-lhe o braço para proceder à sua algemagem. (…)»
De referir que esta decisão do TRE, relativa ao poder de exigir a identificação de uma pessoa, é bastante redutora, pois resulta de uma situação concreta à qual foram aplicadas as normas do processo penal (não podendo, pois, ser adoptada como regra geral).
Parece evidente que “(a)s forças policiais (…) podem exigir a identificação de uma pessoa que não seja suspeita da prática de qualquer crime, sob pena de desobediência. (…) sendo legítima a sequente detenção por prática deste crime”, desde logo, v. g.,:
[1] Sobre este tema, sugerimos o nosso artigo intitulado: "Procedimento de Identificação do Suspeito de uma Contraordenação. Será admissível a Identificação Coactiva?"
• no âmbito de uma operação especial de prevenção criminal (ainda a montante da fundada suspeita da prática de um crime, cfr. art.º 109.º n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições); ou• por razões de segurança interna [também a montante da fundada suspeita da prática de um crime, cfr. art.º 28.º n.º 1 al.ª a) da Lei de Segurança Interna];
• por fundadas suspeitas de: pendência de processo de extradição ou de expulsão, ou de mandado de detenção; ou de entrada ou permanência irregular no território nacional (art.º 250.º n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal).
Deixo aqui algumas questões para reflexão:
1.ª Entendem que o resultado seria o mesmo se os agentes cominassem a desobediência, não à recusa de identificação, mas à recusa de afastamento de CC (que impedia que os militares procedessem à identificação dos visados no desacato que ocorrera)?2.ª E se fosse exigida a identificação de CC na qualidade de testemunha, cominando eventual recusa com o crime de desobediência? [2]
[2] Sobre esta matéria, recomendamos o nosso artigo denominado “Testemunhas” - Recusa de Identificação.
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Neste caso o indivíduo até estava a cometer um crime de obstrução à justiça e desobediência. Podiam tê-lo inclusive, detido, levá-lo para o posto e identificá-lo lá... Foi certamente o que sucedeu... Não o detiveram para o identificar...
ResponderEliminarMeu caro visitante,
EliminarO problema é que os militares da GNR:
1.º Obrigaram aquele cidadão a identificar-se sem haver (ainda) crime;
2.º De seguida disseram-lhe que, caso não se identificasse, incorria num crime de desobediência.
Na minha opinião, os militares da GNR deviam ter cominado com o crime de desobediência, não a recusa de identificação (pois não estavam reunidos os pressupostos para a exigir), mas a recusa de afastamento (para permitir que os militares procedessem à identificação dos visados no desacato que ocorrera).
Neste caso, o cidadão era detido pela prática, em flagrante delito, do crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º n.º 1 al.ª b) do Código Penal.
Concorda?
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
Só o facto de impedir ou tentar os militares de exercerem a sua função ou procedimentos derivados desta já culmina num crime, ora só o simples facto de se colocar entre os agentes e os visados....impedindo-os de exercerem as suas funções já culmina em crime 😉... mas isto sou eu e o código penal....não sei...
EliminarBasta pedir a identificação por poder estar em situação ilegal em TN. Qualquer cidadão com algum tempo em TN pode passar por cidadão nacional logo, a exigência de identificação permite retirar essa dúvida e legitima o pedido.
EliminarConfuso.
ResponderEliminarSe eu puder ajudar a esclarecer a(s) sua(s) dúvida(s), não hesite.
EliminarCom os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
Neste caso o individuo é detido pela prática de resistencia e coação sobre funcionário, pois impede/coage os funcionários/elementos OPC a não puderem fazer o seu trabalho normalmente e em segurança para todos os intervenientes, após isto tem q se identificar pois é suspeito da prática de crime e é detido, se nao se identificar entao faz se a cominaçao para a desobediência e recolhe as celas para ser presente a JIC onde é obrigado a identificar-se, (isto caso mantenha a postura de não querer identificar-se ao OPC).
ResponderEliminarCaro visitante,
EliminarAntes de mais, aproveito para agradecer o seu comentário, mas permita-me discordar dele.
1.º Para que se encontre preenchido o tipo de crime de “resistência e coacção sobre funcionário”, p. e p. pelo art.º 347.º n.º 1, do Código Penal, é necessário o emprego de “violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física”. Não me parece que ela tenha existido no caso concreto.
2.º Se o cidadão fosse detido pela prática, em flagrante delito, do crime de “resistência e coacção sobre funcionário”, não poderia, posteriormente, cominar com o crime de desobediência a “recusa de identificação”.
Neste caso, estando já detido, levava-se a cabo o procedimento de identificação previsto no art.º 250.º do Código de Processo Penal, realizando-se, em caso de necessidade, “provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga”.
Concorda?
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
A conduta do suspeito é activa ou seja este dificulta de forma consciente e volitiva a intervenção policial ou por ser familiares pretende apenas os acalmar e nao frustar a intervenção policial ? Há duas vertentes uma em relação aos suspeitos/outra em relação aos policias…
ResponderEliminarchamar-lhe testemunha será confundir pasteis de nata com esparguete.., para não chamar outra coisa..depois ao dificultar de modo consciente e dolosa a ação policial frusta quer a segurança de todos os intervenientes pois pode haver armas envolvidas e não percepcionadas e dificulta a intervenção policial em si. promove o crime de favorecimento pessoal art 367 cuja tentativa é punivel. Iria até mais além por este artigo em tese …poderá ser detido quem na qualidade de testemunha se recusar a sê-lo. ( não pela recusa em si mas pela frustração subsequente) há que explorar tb o grau da familiaridade pois é admissível a recusa de testemunho em certos casos.
Mas Imaginem o seguinte cenário. Há um crime e uma testemunha recusa-se a se identificar, tendo sido apurado que este pela sua proximidade se apercebeu, perdendo-se desta forma o unico meio de prova. E com a consequente absolvição do suspeito. Não comete este um crime de favorecimento pessoal em relação ao suspeito? Pois será este o unico beneficiado com a sua recusa de identificação e testemunho …o bem jurídico será a incriminação e a realização da justiça criminal…mas
Como os polícias parecem ser pessoas sem direitos (ou de direitos reduzidos ou reduziveis) por serem policias (face ao trato de alguns entendimentos jurídicos /felizmente não é geral) e ao contrário da constituição da República …a segurança destes com ordens específicas para adoptar procedimentos comportamentais sob pena do crime de desobediência… RR
Meu caro RR, concordo, em geral, com o seu comentário.
EliminarA propósito da recusa de identificação pelas testemunhas, sugiro a leitura do artigo: “Testemunhas” - Recusa de Identificação, em:
https://oportaldodireito.blogspot.com/2023/03/testemunhas-recusa-de-identificacao.html
É curioso que tenha referido – e bem – que, em relação à recusa de depoimento, “há que explorar tb o grau da familiaridade pois é admissível a recusa de testemunho em certos casos” e não o tenha feito em relação ao crime que defende, o favorecimento pessoal, por força do art.º 367.º n.º 5 al.ª b) do Código Penal.
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
Aconselho também, uma leitura atenta da Lei 5/95, de 21 de fevereiro. Anda de mãos dadas com o Art⁰ 250⁰ do CPP. Um coadjuva o outro e ambos se completam...
ResponderEliminarHá quem afirme – e eu concordo – que a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi tacitamente revogada pelo art.º 250.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
EliminarCom os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
Gostaria de efetuar a seguinte pergunta: - Pode o agente identificar e autuar individuo que efetua gravação de videos para o TicToc em espaços comerciais com sinaletica de proibição de gravações de som e imagem tendo sido solicitada a presença Policial por um Vigilante de Segurança Privada?
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