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Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

quarta-feira, 29 de março de 2023

“Testemunhas” – Recusa de Identificação

 

Fonte: Google Imagens

    Ao consultarmos (aqui) o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Janeiro de 2023 (proc. n.º 193/21.3GDPTM.E1, rel. Fernando Pina), podemos ler, logo no seu sumário:

«É ilegítima a ordem da autoridade policial, dirigida a um cidadão, para que se identifique, por se encontrar no local onde ocorreram factos que poderão constituir crime de violência doméstica, por ele presenciados, com vista à posterior inquirição na qualidade de testemunha

    Como corolário, defende-se, neste aresto, que a recusa de identificação a essa ordem emanada por autoridade policial não se subsume no tipo de crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º n. º 1 al.ª b) do Código Penal (CP).

    Para escorar esta conclusão, argumenta-se, per summa capita, que:

no que concerne à obrigação de identificação, quer o art.º 250.º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), quer o art.º 27.º n.ºs 2 e 3 al.ª g) da Constituição da República Portuguesa (CRP), especificam "suspeitos", e não outros sujeitos (e. g., testemunhas).

    E, no caso concreto, por se encontrar no interior da sua residência:

o visado localizava-se fora do âmbito espacial do dever de identificação previsto no art.º 250.º n.º 1 do CPP, a saber, lugares púbicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial;

não se exigia qualquer medida cautelar urgente para assegurar meios de prova, nos termos do art.º 249.º n.ºs 1 e 2 al.ª b) do CPP, porquanto existiam várias outras formas de chegar, futuramente, à sua identidade (v. g., junto de vizinhos, da EDP); e

 após obtida a identificação por intermédio destes meios alternativos, o visado poderia ser notificado para comparecer nos serviços do Ministério Público ou do OPC competente, a fim de ser inquirido como testemunha e, na eventual falta de comparência, poderiam ser, dentro de toda a legalidade, emitidos mandados de comparência.  


Observações

    Parece-nos que o teor do sumário do Acórdão sup. cit. é susceptível de induzir o leitor em erro, já que sugere que (de forma genérica) são ilegítimas todas as ordens das autoridades policiais, dirigidas aos cidadãos, para que se identifiquem, por se encontrarem no local onde ocorreram factos que poderão constituir crime, por eles presenciados, com vista à posterior inquirição na qualidade de testemunhas.

    Afigura-se-nos que não será assim.

    Nos termos do art.º 249.º n.ºs 1 e 2 al.ª b) do CPP:

 «Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
(…)
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição».

    Relativamente a esta colheita de informações, Eduardo Maia Costa, et. al. [1] (in Código de Processo Penal Comentado), em anotação ao art.º 249.º, refere que:

«a colheita de informações de pessoas, referida na al. b) do nº 2 é de natureza informal, não vinculando as pessoas contactadas à condição de testemunhas».

[1] Também Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 651) segue a mesma posição.

    Sendo assim, e de acordo com estes autores, esta colheita informal de informações “pende no sentido da ausência de vinculação a qualquer dever de identificação e certamente muito menos uma obrigatoriedade de identificação sob pena de prática de um crime”.

    Se concordamos com o expendido em relação ao art.º 249.º n.º 2 al.ª b) do CPP, o mesmo já não sucede relativamente ao art.º 250.º n.º 8 do CPP.

    Conforme referido no voto de vencido que integra o acórdão que temos vindo a referir:

«a ordem dada a um cidadão que presenciou um crime” para “que forneça a sua identidade por forma a mais tarde poder eventualmente ser inquirido como testemunha no respetivo inquérito criminal e no julgamento, insere-se no âmbito do pedido de fornecimento de informações tendentes à descoberta e à conservação de meios de prova, no caso, a testemunhal, que poderiam perder-se» (art.º 250.º n.º 8 do CPP).

    E, considerando que a norma prevista no art.º 250.º n.º 8 do CPP tem natureza processual, pode e deve ser interpretada de “forma analógica ou extensível ao regime previsto no artigo 250.º, n.º 1 do CPP tendo em consideração a ordem jurídica considerada no seu conjunto”.

    Sendo assim, decorre daqui um dever de identificação dessas pessoas, sempre que elas se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial, e não no interior da sua residência, como sucedeu no caso concreto.

    A recusa de identificação, nestes termos – e considerando o disposto no art.º 27.º n.ºs 2 e 3 al.ª g) da CRP –, subsume-se no tipo de crime de desobediência, após efectuada a correspondente cominação, cfr. art.º 348.º n.º 1 al.ª b) do CPP.


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6 comentários:

  1. F de S. É melhor estarem quietas?

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  2. A testemunha diz que é o "chop chui de gambas", morador na "Rua das vacas, 69 - Lx"? Limpinho, limpinho... sigaaaa. 👌👌👌👌👌

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  3. algumas das relações são baseadas em mentiras com até identificação falsa, por diversas vezes nem os queixosos sabem a identidade dos suspeitos.
    Ora se ha recusa não haverá comprovação de identidade. Este diz um nome falso. E vai tudo por água abaixo... A Testemunha será e terá uma posição essencial para o julgamento e a correlação entre a suspeita os factos e o autor. Quantas vezes testemunhas relevantes, dizem logo ai eu não vi por se quererem desresponsabilizar do trabalho e da responsabilidade de ser testemunha.
    Um caso semelhante num hotel com violência doméstica à mistura..todos ai eu não vi eu não sei. Mas certamente será impossível não ter ouvido, mais uma pérola para não proteger as vitimas e frustar o trabalho das policias...resultado todas as Testemunhas são identificadas nas escadas fora da residência...RR

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  4. O uso do C.U. Cartão de Cidadão é obrigatório. Logo se uma Autoridade pedir a identificação por achar útil como testemunha de um crime, este deverá de apresentar um Documento comprovativo. Na ausência do documento, duas outras pessoas documentadas podem auferir a autenticidade da identificação verbal dessa testemunha. Mas cada vez mais vejo quando toca a identificar um criminoso ou a desviar um crime, arranjam-se uma teia de complicações que só beneficia o criminoso. Em vez de facilitar, não. Complica-se.

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  5. estão a esquecer que até prova contraria, toda gente é suspeita em local que tenha ocorrido crime.

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  6. Como está o País, muitas vezes e quando possível, o melhor serviço é o que fica por fazer. Chutar para o canto ou para fora.

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