oferta-billboard

Tradução de Página

Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

“Tribunal anula multa a pedreiro que foi fiscalizado por casal de polícias” – Quid Juris?

 

Fonte: Google Imagens


    Conforme foi noticiado há uns dias atrás, pelo JN, “o Tribunal da Relação de Évora anulou uma multa de 1200 euros aplicada a um pedreiro que tinha sido apanhado a conduzir quando estava proibido de o fazer. A anulação da pena aconteceu após o homem, de 39 anos, se ter queixado que nunca podia ter sido intercetado e fiscalizado por dois agentes da PSP que eram casados entre si”.

    Ora, nos termos do art.º 8.º n.º 2 do Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), aprovado pelo Decreto-lei n.º 243/2015, de 19 de Outubro, “(o) regime de impedimentos, recusas e escusas previsto no Código de Processo Penal é aplicável, com as devidas adaptações, aos polícias enquanto órgão de polícia criminal (…)

    Sendo assim, por aplicação subsidiária do regime de impedimento dos juízes, podemos concluir que, enquanto órgãos de polícia criminal, os polícias “que sejam entre si cônjuges, parentes ou afins até ao 3.º grau ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges (n)ão podem exercer funções, a qualquer título, no mesmo processo” [art.º 39.º n.º 3 do Código de Processo Penal (CPP)].

    Se tal suceder, “os actos praticados por” polícia/órgão de polícia criminal impedido “são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo” (art.º 41.º n.º 3 do CPP).

    Não obstante o exposto, perante detenções em flagrante delito, em que os dois polícias intervenientes (autuante e testemunha) eram cônjuges, vários juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Évora assumiram posições distintas, a saber:

1.ª Posição – Nulidade insanável do acto processual praticado (lavrar do auto de notícia e o sequente depoimento testemunhal) [1]

[1] Neste sentido, v. g.:
Ac. do TRE, de 04 de Junho de 2024, proc. n.º 514/21.9PAVRS.E1, rel. Maria Perquilhas (prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro); e
Ac. do TRE, de 25 de Maio de 2023, proc. n.º 463/22.3PAVRS.E1, rel. Gomes de Sousa [prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art.º 353.º do Código Penal (CP)].

    Em suma, os juízes desembargadores entenderam que o acto processual praticado (elaboração do auto de notícia e subsequente depoimento testemunhal) é inválido, por não poder ser repetido utilmente e afectar gravemente a justiça da decisão por violação das garantias de imparcialidade.

    E, estando esta invalidade sujeita ao princípio da legalidade (art.º 118.º n.º 1 do CPP), a nulidade insanável cominada (art.º 41.º n.º 3 e corpo do art.º 119.º, ambos do CPP) impede a repetição do ato nulo.


2.ª Posição – Validade do “auto de notícia” após expurgada a referência à prova testemunhal e afastada a sua audição na audiência de discussão e julgamento. [2]

[2] Neste sentido, et. al.:
Ac. do TRE, de 18 de Junho de 2024, proc. 142/23.4PAVRS.E1, rel. Beatriz Borges (prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º n.º 1 do CP).
Ac. do TRE, de 07 de Maio de 2024, proc. 324/22.6PAVRS.E1, rel. Jorge Antunes (prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º n.º 1 do CP;
Ac. do TRE, de 07 de Maio de 2024, proc. 500/21.9PAVRS.E1, rel. Maria Cortes (prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro); e
Ac. do TRE, de 06 de Fevereiro de 2024, proc. 309/23.5PAVRS.E1, rel. Margarida Bacelar (prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º n.º 1 do CP).

    Da leitura dos acórdãos sup. cit. podemos retirar as seguintes conclusões:

    Da conjugação do art.º 8.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 243/2015, de 19 de Outubro, com o art.º 39.º n.º 3 do CPP, resulta que o impedimento subsiste limitado ao exercício da função policial, e nela não se inclui a qualidade de testemunha pois que, qualquer cidadão, polícia ou não, a pode exercer.

    Além disso, não podemos esquecer que a nulidade prevista no art.º 41.º n.º 3 do CPP é uma nulidade atípica, podendo ser sanada em algumas situações específicas, a saber:

quando os actos praticados pelos polícias/órgãos de polícia criminal não poderem ser repetidos utilmente; e

se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

    Se, por um lado, a elaboração do auto de notícia é irrepetível, em todos os casos mencionados, os atos praticados pelos dois agentes da PSP não surgem como prejudiciais para a justiça da decisão do processo, já que o polícia indicado como testemunha não chegou a praticar qualquer acto no processo, pois não exerceu uma ação propiamente dita, limitando-se tão só a observar uma ação de fiscalização rodoviária.

    E o auto de notícia por detenção seria válido mesmo que dele não constasse a indicação de qualquer testemunha [3], até porque, nos crimes em causa, a prova é essencialmente documental – no crime de condução de veículo em estado de embriaguez a prova (de cariz quase pericial) é realizada através do resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado efetuado por alcoolímetro ou análise de sangue – o que torna a indicada prova testemunhal, eventualmente nula, despicienda.

[3] O art.º 243.º do CPP não enuncia causas específicas de nulidade do auto de notícia.

    Sendo assim, a nulidade processual mostrou-se sanada com a expurgação da referência à prova testemunhal do auto de notícia e com o afastamento da audição do polícia indicado no auto de notícia como testemunha, aproveitando-se o auto de notícia, na audiência de discussão e julgamento, na parte subsistente.

    Subscrevemos claramente a 2.ª posição. E vocês?


Sem comentários:

Enviar um comentário