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I – Introdução
Ao longo dos últimos anos, os animais de companhia emergiram de uma posição tradicionalmente periférica/utilitária para se afirmarem como membros integralmente reconhecidos das unidades familiares contemporâneas.
Este fenómeno pode ser compreendido não apenas como uma mudança no status dos animais, mas também como uma reflexão profunda sobre as necessidades emocionais e psicológicas da sociedade moderna.
À medida que as famílias se tornam menores e as conexões sociais mais fragmentadas, os animais de estimação surgem como substitutos simbólicos das relações humanas e como partes vitais das estruturas familiares.
Tem havido também uma crescente consciencialização dos benefícios que os animais de estimação exercem no bem-estar físico e psicológico dos seus tutores. [1]
II – Fundamentação jurídica
Com a entrada em vigor da
Lei n.º 8/2017, de 03 de Março (diploma que veio estabelecer o estatuto jurídico dos animais), os animais, enquanto seres vivos dotados de sensibilidade, passaram a ser objecto de protecção jurídica em virtude da sua própria natureza [
art.º 201.º-B do Código Civil (CC)].
Embora os animais continuem a poder ser objeto do direito de propriedade (
art.º 1302.º n.º 2 do CC), nos termos do
art.º 1305.º-A do CC, trata-se daquele tipo de propriedade a que tradicionalmente apelidamos de “
propriedade pessoal, ou seja, propriedade de certos bens que estão ligados à autoconstrução da personalidade”.
[2]
[2] Vide, neste sentido, o Ac. do TRP, de 21-11-2016, proc. 3091/15.6T8GDM.P1, rel. Manuel Fernandes, acedido e consultado
aqui em 05-09-2024.
Nas palavras de Sandra Passinhas (professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra):
“Muitas pessoas detêm objectos que sentem como se fossem quase parte delas próprias; estas coisas estão ligadas profundamente à sua própria personalidade porque são o meio através do qual se constroem continuamente enquanto entidades no mundo. O critério para avaliar o significado da relação de alguém com um objecto é o do tipo de dano ou sofrimento que a sua perda causa.
Neste sentido, um objecto está relacionado com a construção da personalidade de uma pessoa se a sua perda causa um dano que não pode ser reparado pela sua substituição. O oposto de ter um objecto que se torna parte da própria pessoa é ter um bem perfeitamente fungível por outro de igual valor de mercado; estes objectos têm um valor meramente instrumental para a auto-constituição pessoal.” [3]
Não ignoramos que o princípio da liberdade contratual, previsto no
art.º 405.º do CC, confere, ao titular do direito de propriedade sobre um imóvel, a possibilidade de celebrar ou não um contrato de arrendamento (liberdade de celebração) e a possibilidade de fixar o respectivo conteúdo (liberdade de estipulação).
Contudo, para se aferir se um contrato é conforme à lei, obviamente que não podemos esquecer a lei constitucional, pois “uma proibição, validamente estabelecida num contrato de arrendamento, segundo a lei civil, pode apresentar-se, materialmente, como violadora de direitos fundamentais do arrendatário”. [4]
[4] Cfr. Acórdão do TRP sup. cit.
Sendo assim, uma cláusula proibitiva da colocação de animais no local arrendado terá que ser considerada inválida por coarctar o direito ao livre desenvolvimento da personalidade consagrado no
art.º 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
[5]
[5] Além disso, numa altura em que a habitação é um bem cada vez mais inacessível, uma cláusula desta natureza incita ao abandono de animais de companhia (pois a generalidade dos centros de recolha oficiais e demais abrigos estão totalmente preenchidos), desrespeitando também os princípios fundamentais para o bem-estar dos animais (
vide art.º 3.º do Decreto n.º 13/93, de 13 de Abril, diploma que aprovou a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia).
Como afirmou a Juíza de Direito, Margarida de Menezes Leitão [6], ninguém duvidaria “que seria ilícito o contrato de arrendamento proibir o arrendatário de casar, constitui uma união de facto, ter filhos ou adoptar crianças. Parece, por isso, que argumento de identidade de razão não se poderá proibir um inquilino de ter animais no locado, enquanto se contiver dentro dos limites legais”.
Considerando que, nos termos do
art.º 1071.º do CC, “
os arrendatários estão sujeitos às limitações impostas aos proprietários de coisas imóveis”, desde logo, quando ao número máximo de animais, um arrendatário pode alojar “
até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais”,
cfr. art.º 3.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro.
E, estando perante fracções autónomas em regime de propriedade horizontal, só o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto no parágrafo anterior (
art.º 3.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro), não podendo, contudo, na nossa opinião, excluí-los totalmente.
[7]
[7] Não podemos esquecer que o Decreto-lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, tem como objectivo a “
Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal e Outras Zoonoses”. Sendo assim, parece-nos inconstitucional a norma do
art.º 3.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro (por violação do
art.º 26.º n.º 1 da CRP), quando interpretada no sentido de que o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto no n.º 2 (do mesmo diploma legal), não havendo riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem. Também não podemos esquecer que, mesmo que a redução do número de animais tenha sido aprovada por unanimidade dos condóminos, no futuro, essa decisão pode afectar quem não teve oportunidade de se pronunciar sobre ela ou impugná-la (adquirente de uma das fracções autónomas ou um arrendatário).
O que acabámos de defender não prejudica o direito de propriedade sobre a fracção autónoma e muito menos afecta as relações de vizinhança.
Relativamente à possibilidade de os animais danificarem/destruírem a propriedade, estabelece, o
art.º 1043.º n.º 1 do CC, que “
o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização”.
Por precaução, o senhorio pode exigir o pagamento de uma caução fixada nos termos do
art.º 1076.º n.º 2 do CC (que é aquilo que já usualmente acontece), não podendo, contudo, aumentar o valor da
renda em montante não superior a 2% em relação à última renda praticada, para o mesmo imóvel,
durante os últimos cinco anos (salvo se a última renda era
inferior aos limites previstos na
tabela geral de limites por tipologia, de
acordo com o concelho onde se localiza o imóvel).
Além disso, o senhorio tem o
direito de verificar o estado de conservação do imóvel e de proceder ao seu
exame, cfr. art.º 1038.º al.ª b) do Código Civil. [8]
[8] Contudo, tal prerrogativa só pode
ser exercida mediante aviso prévio e deve ser conduzida de forma discreta e não
intrusiva. A inspeção deverá restringir-se exclusivamente aos aspectos
relacionados com a integridade do imóvel, sem excessos ou recorrência de
visitas que possam configurar um abuso de direito.
Se o senhorio tiver receio de que a presença de animais no espaço arrendado pode levar à violação das regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio, deve recordar-se que tal constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento,
cfr. art.º 1083.º n.º 2 al.ª a) do CC.
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III – Considerações finais
Perante todo o exposto, entendemos que os cidadãos que possuem animais de companhia não podem ser alvo de discriminação no acesso ao arrendamento, não existindo fundamento legal nem ético para que tal seja permitido.
Tendo, os animais, um valor pessoalmente constitutivo para a vida familiar, uma cláusula, no contrato de arrendamento, que proíba expressamente a sua permanência no local arrendado, deve considerar-se não escrita (ou seja, deve ser declarada como inexistente). Assim decidiu, e bem, o Tribunal da Relação do Porto, sup. cit.
Não obstante tudo isto, é evidente que, na prática, o senhorio, sendo o proprietário do imóvel, só o arrenda a quem quiser (princípio da liberdade contratual).
E se o potencial inquilino mencionar que possui animais de estimação, nada obsta que o senhorio opte por arrendar o imóvel a outro interessado, sem ter que revelar o verdadeiro motivo.
Perante uma clausula proibitiva que deve ser entendida como inexistente, o inquilino pode colocar animais de companhia no local arrendado (até ao limite máximo legal ou previsto no regulamento de condomínio), mas arrisca-se (caso venha a ser descoberto), a que, terminado o prazo do contrato de arrendamento, o senhorio se oponha à sua renovação
[9] (salvo se as partes afastaram desde logo a sua renovação automática, cfr.
art.º 1096.º n.º 1 do CC).
[9] Ter em atenção, contudo, que, nos
termos do
art.º 1097.º n.ºs 3 e 4 do CC, “
a oposição à primeira renovação do
contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da
celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data” – ou
seja, o inquilino tem sempre direito a permanecer no locado
pelo menos três
anos –, excepto se o senhorio ou os seus descendentes em 1.º grau necessitarem
da habitação.
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Tenho um São Bernardo, um dogue alemão e dois Mastim napolitano como animais de estimação. Posso levá-los para o meu apartamento arrendado, ainda que o contrato de renda proíba a presença de animais de estimação? Agradecido
ResponderEliminarMeu caro “anónimo”, antes de mais, aproveito para agradecer a sua pergunta.
EliminarO art.º 3.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 314/2003, estabelece que, “nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais” (v. g., 3 cães e 1 gato ou 3 gatos e 1 cão).
A lei não concretiza o tamanho dos animais nem dos fogos/apartamentos, sendo com certeza bem diferente possuir três “São Bernardos” num apartamento de tipologia T1 e três “Shih Tzu” num apartamento de tipologia T4, mas é a lei que temos…
Mesmo a possibilidade, conferida pelo mesmo art.º 3.º n.º 2, 2.ª parte, de aumentar o número de animais para seis (mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde), deverá ter em consideração o limite máximo por espécie (resultando, no total, v. g., 3 cães e 3 gatos ou 4 gatos e 2 cães).
Se os animais excederem o máximo legalmente previsto – como é o caso que nos apresenta (4 cães) – poderá a câmara municipal notificar o detentor para retirar os animais (em excesso) para o canil ou gatil municipal (no prazo estabelecido), caso o detentor não opte por outro destino (v. g., a casa de um familiar ou se amigo).
E se:
1.º Os animais (independentemente do seu tamanho) não excedem o máximo legalmente previsto;
2.º Não existem riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem;
3.º O apartamento encontra-se exactamente nas mesmas condições em que foi entregue pelo senhorio;
4.º Não existem reclamações de ruído ou de falta de higiene; e
5.º Os animais assumem um valor pessoalmente constitutivo para a vida do detentor;
não vejo como é que o senhorio pode impedir o inquilino de os possuir no locado, mesmo havendo uma cláusula, no contrato de arrendamento, que proíba expressamente a sua permanência (pois tal cláusula deve ser considerada como inexistente pelos motivos expostos no nosso artigo).
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
Ao fim de um ano, adeus contrato de arrendamento. Se a legislação não limitasse o valor das cauções até poderia equacionar tal, mas como se encontra, é apenas para perder dinheiro.
ResponderEliminarMeu caro visitante,
EliminarNa nossa opinião, o problema não reside nos animais, mas nos seus detentores/inquilinos. O facto de um inquilino não possuir animais de companhia não garante, ao senhorio, que o imóvel vai ser entregue incólume…
Como referimos no nosso artigo, o senhorio tem direito a receber o imóvel no estado em que o entregou ao inquilino (tendo o direito de ser indemnizado caso tal não suceda). Pode também exigir, para sua salvaguarda, o pagamento de uma caução fixada nos termos do art.º 1076.º n.º 2 do Código Civil (CC).
Além disso, o senhorio tem o direito de verificar o estado de conservação do imóvel e de proceder ao seu exame, cfr. art.º 1038º do Código Civil (a este propósito, ver a nota n.º 8 do nosso artigo).
Quanto à duração do contrato, atenção que não é bem assim…
Nos termos do art.º 1080.º do CC, “(a)s normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”.
Isto significa que, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), tais normas não podem ser afastadas ou modificadas por vontade das partes.
Sendo assim, ainda que lei (art.º 1095.º n.º 2 do CC) refira que o contrato de arrendamento possa ter a duração de um ano, nos termos do art.º 1097.º n.ºs 3 e 4 do CC (versão introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data” – ou seja, o inquilino tem sempre direito a permanecer no locado pelo menos três anos –, excepto se o senhorio ou os seus descendentes em 1.º grau necessitarem da habitação.
Espero que a nossa resposta possa ter alguma utilidade.
Com os meus melhores cumprimentos.
Paulo Soares
Bom dia. Conheço senhorios que só aceitam inquilinos se, em contrapartida ao contrato de arrendamento, estes entregarem ao senhorio uma revogação do contrato sem data. Isto é possível?
ResponderEliminarFrancisco Duarte, antes de mais aproveito para agradecer, pela sua pertinência, a dúvida que aqui colocou.
EliminarA revogação, enquanto forma de cessação do contrato de arrendamento por vontade das partes, encontra-se prevista no art.º 1082.º do Código Civil.
Exigir a um arrendatário uma “revogação do contrato sem data” (como condição para celebração do contrato de arrendamento), na prática permitiria, ao senhorio, rescindir o contrato de arrendamento unilateralmente a qualquer momento (a rescisão operaria ainda que sem o mútuo acordo no momento da cessação).
Tal seria também o equivalente a uma renúncia antecipada do direito à estabilidade do arrendamento, esta inadmissível.
Como bem referiu a professora Ana Antunes (professora da FDUCP), num texto de homenagem ao professor Prof. Dr. Germano Marques da Silva:
“(a) existência de um acordo de vontades não pode cingir-se a uma fórmula puramente estilística; pelo contrário, tem de ser demonstrada uma vontade qualificada (e que tem de preencher os requisitos gerais de admissibilidade, entre os quais, a maturidade, o esclarecimento, a liberdade e a licitude da motivação).
(…)
Uma das dificuldades suscitadas prende-se precisamente com o risco de existir uma vontade viciada, porque não formada em termos perfeitos.
(…)
É o que pode suceder na eventualidade de, a coberto de um acordo de vontades puramente formal, se verificar uma imposição unilateral do clausulado por parte do contraente com maior poder negocial ou com maior poderio económico-financeiro.”
Como parece evidente, em Portugal, na maioria dos casos, o arrendatário ocupa uma posição particularmente vulnerável no contrato de arrendamento (que decorre de uma conjugação de fatores socioeconómicos e jurídicos), uma fragilidade que se tem acentuado no atual contexto da crise habitacional (muitos candidatos a arrendatários, em função da necessidade, assinariam um contrato de arrendamento mesmo contendo uma cláusula que os obrigasse a “comer pedras” todas as quintas-feiras ao jantar…)
Essa vulnerabilidade e necessidade de habitação (que por acaso até é um direito fundamental, .., art.º 65.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) gera uma renúncia antecipada e viciada (porque não refletir a vontade real) do direito à estabilidade do arrendamento.
Neste caso, a falta de estabilidade do contrato de arrendamento traria consequências perniciosas para o arrendatário, v. g.: teria que ter sempre a mala feita, pois nunca saberia qual o dia em que teria que sair do locado; a falta de estabilidade refletir-se-ia também nos compromissos a prazo do arrendatário com outras entidades, v.g., operadoras de comunicações electrónicas, entidades bancárias, etc, etc.
Nas palavras, ainda, da professora Ana Antunes, in ob. sup. cit.:
“(o) o exercício da autonomia privada não é reconhecido de modo absoluto; de modo diverso, está, desde logo, sujeito aos limites definidos pela lei imperativa e pelo Direito injuntivo (cfr. artigo.º 405.º, n.º 1 – primeira parte, que enuncia que a liberdade contratual se exerce «[d)entro dos limites da lei». Nesta medida, o clausulado estipulado tem que ser apreciado à luz dos três parâmetros relevantes, a saber: o respeito pela lei, pela ordem pública e pelos bons costumes".
Em suma, uma “revogação do contrato sem data”, exigida, pelo senhorio, como condição para celebração do contrato de arrendamento, é nula nos termos do art.º 280 n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Perante uma rescisão do contrato de arrendamento unilateral – “disfarçada” de revogação (NULA) –, o arrendatário só tem que manifestar a sua vontade real, no momento da invocação (colocação da data), permanecendo no imóvel até ao seu terminus (ou outra forma de cessação…).
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares
O senhorio deve poder impor as regras que quer e o inquilino se aceitar só tem de cumprir, afinal a casa não é dele e sim do senhorio...
ResponderEliminarCaro anónimo,
EliminarAo celebrar um contrato de arrendamento e ao ceder o uso e o gozo do seu imóvel, o senhorio não apenas limita o exercício dos seus direitos de propriedade (jus utendi, fruendi et abutendi), mas também reconhece e se submete a um conjunto de direitos invioláveis do inquilino.
A posse direta do imóvel passa a ser exercida pelo locatário, e com ela emergem obrigações do proprietário, como o respeito pelos direitos (constitucionalmente protegidos) daquele (v. g., os seguintes direitos: ao desenvolvimento da personalidade; à imagem; à palavra; à reserva da intimidade da vida privada e familiar; e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação).
Assim, a propriedade vê-se relativizada pela função social do imóvel, exigindo do senhorio um exercício moderado de seus poderes, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Não podendo esquecer que:
Hodiernamente, parece evidente que, deter um animal de companhia numa habitação cai no âmbito da utilização normal do locado, já que, na maioria dos lares, os animais de companhia não participam no agregado familiar como coisas ou objectos mas como conviventes.
Parece também evidente que, na sociedade actual, existe um progressivo reconhecimento do papel dos animais de companhia na realização pessoal dos indivíduos e da sua importância como membros da colectividade familiar.
Sendo assim, não há como negar que os animais de companhia estão directamente ligados à autoconstrução da personalidade, constituindo um meio através do qual a pessoa se constrói no mundo.
É por este motivo que uma cláusula proibitiva da colocação de animais de companhia no local arrendado terá que ser considerada inválida por coarctar o direito ao livre desenvolvimento da personalidade consagrado no art.º 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Soares