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Tradução de Página

Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Crime de evasão de presos (e de detidos?)

Fonte: Google Imagens

    O crime de evasão encontra-se previsto no art.º 352.º do Código Penal (CP), podendo ler-se, no seu n.º 1, que:

Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até 2 anos.

    Esta norma encontra-se inserida no capítulo II dedicado aos “crimes contra a autoridade pública” e na secção II intitulada de “tirada e evasão de presos e do não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal”.

    Perante a denominação da secção onde se encontra inserida a norma, “evasão de presos”, questionamo-nos se a evasão aí prevista se restringirá ao alcance semântico e pragmático, no contexto jurídico actual, do vocábulo “prisão” ou se abrangerá também a mera detenção.

    Como sabemos, detenção e prisão são, no ordenamento jurídico português, e concretamente no direito processual penal, medidas bastante distintas. Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (diploma que aprovou o Código de Processo Penal vigente), essa distinção assumiu-se de forma clara, com a introdução do capítulo III, com epígrafe “da detenção” (art.ºs 254 e sgts. do CPP). [1]

[1Na vigência do Código de Processo Penal de 1929, a actual “detenção” era tratada como prisão. V. g., no seu art.º 250.º, situado no capítulo IV (art.ºs 250.º a 277.º), com epígrafe “da prisão”, podia ler-se: “Em flagrante delito a que corresponda pena de prisão, todas as autoridades ou agentes encarregados de manter a ordem pública devem e qualquer pessoa do povo pode prender os infractores". (sublinhado nosso).

    Na esteira de Gomes Canotilho e Vital Moreira [2], estas duas figuras distinguem-se, desde logo, porquanto a detenção é:

uma medida de carácter precário e condicionada a determinadas finalidades que hão-de verificar-se em prazos máximos muito curtos (24 ou 48 horas);

não resulta necessariamente de decisão judicial; e

situa-se entre os momentos de captura e do despacho judicial sobre a sua apreciação e validação.

[2] In, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, art.ºs 1.º a 107.º, pág. 478.

    Apesar da dissemelhança entre as medidas, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 400/82, de 29 de Setembro (diploma que aprovou o Código Penal actual, doravante apenas CP), manteve-se, na epígrafe da secção II (art.ºs 389.º a 395.º), a terminologia “prisão” – “da tirada, evasão de presos e não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal” – que vinha do Código Penal de 1886 (capítulo III, art.ºs 190.º a 196.º).

    No Código Penal de 1886, tal capítulo III tinha como epígrafe: “da tirada e fugida de presos, e dos que não cumprem as suas condenações”. Apesar da Reforma Penal de 1995 (Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março) ter alterado a secção II (agora integrando os art.ºs 349.º a 354.º), o vocábulo “prisão” manteve-se na sua epígrafe, agora denominada “da tirada e evasão de presos, e do não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal”.

    Não obstante o título da secção II, o art.º 392.º n.º 1 (na versão originária do CP), no que concerne ao crime de evasão, dispunha:

Quem, encontrando-se em situação, imposta nos termos da lei, de detenção, internamento, ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando a sua remoção ou transferência, se evadir, será punido com prisão até 2 anos.

    Com a Reforma Penal de 1995 (operada pelo Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março), o art.º 352.º n.º 1 passou a dispor simplesmente o seguinte: 

Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até 2 anos.

    Sendo assim, parece-nos que, actualmente, a privação legal da liberdade referida neste art.º 352.º n.º 1 – ainda que situando-se numa secção intitulada “da tirada e evasão de presos…” – não terá um âmbito mais restritivo que a versão originária do preceito legal, abrangendo, assim, a detenção em local fechado (Posto Policial ou Tribunal) e respectivo transporte.

    Abarcará, também, hodiernamente, as pessoas submetidas a medida de segurança privativa da liberdade, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação.[3]

[3No caso de violação da medida de coacção obrigação de permanência na habitação, o seu eventual (não automático) agravamento, nos termos do art.º 203.º n.º 1 do CPP, não impede que essa mesma violação integre a factualidade típica do crime de evasão, p. e p. pelo art.º 352.º n.º 1 do CP, não havendo violação do princípio ne bis in idem, que, como se sabe, impede, tão só, que alguém seja condenado, sancionado, mais que uma vez pelos mesmos factos. Assim decidiu o TRP, no seu aresto de 07/12/2016, proc. n.º 746/13.3GDGDM.P1, rel. Ernesto Nascimento, consultado aqui em 23/07/2022. No mesmo sentido aponta o Acórdão do STJ, de 23-11-2017, proc. n.º 1210/12.3POLSB.L1.S3, rel. Isabel São Marcos, consultado aqui em 23/07/2022. Em sentido distinto, o Acórdão do TRP, de 16-03-2011, proc. n.º 492/09.2PJPRT.P1, rel. Moreira Ramos, consultado aqui em 23/07/2022.


Fonte: Google Imagens

    É este o entendimento perfilhado, e. g., por Paulo Pinto de Albuquerque [4], que após tecer algumas considerações acerca do bem jurídico protegido (“a autoridade pública do sistema estadual, quando profere decisões de privação de liberdade”), afirma que “a tutela não se estende apenas à segurança dos estabelecimentos e reportada a decisões finais mas ainda, a outras que surjam no decurso do processo penal v. g. a detenção ou as medidas de coacção detentivas, que por visarem satisfazer as necessidades que as determinou, não pode o sistema deixar de prover ao seu efectivo acatamento”.

[4] In, Comentário do Código Penal, 3.ª Edição, Editora Universidade Católica, pág. 1110 e 1114. O autor lança uma crítica à posição assumida por Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 395, relativamente ao bem jurídico protegido, a saber, “a segurança da custódia oficial".

    No que concerne à detenção, embora ela se inicie com uma ordem/voz (de detenção), para efeito de subsunção no tipo de crime de evasão, essa ordem/voz não basta. É pois necessário que a detenção se materialize, ou seja, que o detido veja efectivamente coarctada a sua liberdade de movimentos (v. g., por intermédio da colocação de algemas). Só neste momento ele passa a estar sob a custódia do poder público. [5]

[5Assim, o Acórdão do TRP, de 20/11/2013, proc. 195/11.8 GBLMG.P1, rel. Ernesto Nascimento, consultado aqui em 23/07/2022. O mesmo TRP, em 15/12/2004, estando em causa uma detenção determinada por mandado, decidiu de modo distinto, designadamente: “Para efeitos do crime de evasão, há detenção quando os agentes da autoridade entregam em mão à pessoa a deter o respectivo mandado ao mesmo tempo que lhe comunicam que está detida.Vide, Acórdão de 15/12/2004, proc. 0413860, rel. Élia São Pedro, consultado aqui em 23/07/2022.

    Se, para perpetrar a evasão, for usada violência (incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física) contra o agente detentor, poderá também estar preenchido o tipo legal de crime de resistência e coacção sobre funcionário, p, e p. no art.º 347.º n.º 1 do CP.

    Neste caso, existe concurso efectivo (real) entre ambos os crimes, pois tratam-se de tipos penais distintos, visando-se, num (coacção e resistência sobre funcionário), “a protecção directa da autoridade pública como titular de um conjunto de poderes funcionais a serem exercidos, seja qual for o acto funcional que estiver em apreço no seu exercício”, e, tutelando-se, no outro, apenas a própria evasão. [6]


[6Acórdão do STJ, de 27/01/1999, proc. n.º 98P929, rel. Virgílio de Oliveira, consultado aqui em 23/07/2022.

    Entendemos também que comete o crime de evasão, aquele que, detido por qualquer pessoa (com efectiva restrição de mobilidade), nos termos do art.º 255.º n.º 1 al.ª b) e n.º 2 do CPP, consegue fugir antes da entrega imediata a uma autoridade judiciária ou entidade policial.

    Já não cometerá o crime de evasão, o suspeito que, após ser detido para identificação – nos termos do art.º 27.º n.º 3 al. g) da Constituição da República Portuguesa, cjg. com o n.º 6 do art.º 250.º do CPP –, alcança a fuga.

    Esta é uma detenção distinta (enquanto medida cautelar e de polícia) da que se encontra prevista nos art.ºs 254.º e sgts. do CPP, assumindo-se como um meio instrumental necessário e adequado à realização do acto legítimo de identificação de um suspeito.

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