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Já depois de ter escrito o artigo denominado “Outra vez os petardos!”, troquei algumas impressões com um perito em questões sobre pirotecnia – João Martins – cuja perspectiva me levou a reconsiderar e alterar a minha posição relativamente ao enquadramento jurídico-sancionatório da posse e utilização de petardos.
Consideremos, per summa capita, os motivos:
Nos termos do art.º 86.º n.º 1 al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (diploma que estabelece o Regime Jurídico das Armas e Munições, doravante apenas RJAM):
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (sublinhado nosso)
d) (…) artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho (…) é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;
“Artigo de pirotecnia” é “qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas” (vide art.º 2.º n.º 1 al.ª af) do RJAM).
No que concerne aos “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho”, são definidos, no art.º 2.º n.º 1 al.ª ag) do RJAM, como:
“o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais”;
Num olhar menos atento, poderíamos considerar que os “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho”, estando excluídos do art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM, nunca preencheriam o tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”.
Não será bem assim, vejamos porquê.
É necessário conjugar a definição de “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho”, prevista no art.º 2.º n.º 1 al.ª ag) do RJAM, com os próprios art.ºs 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho.
Verificamos desde logo, que aquela definição corresponde ipsis verbis ao conceito de fogos-de artifício da categoria F1 [previsto no art.º 6.º n.º 3 al.ª a) i) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, a saber:
“fogos-de-artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais”.
No art.º 7.º, deste Decreto-lei, limita-se a aquisição, utilização ou comércio de certas categorias de fogos-de-artifício, por razões de ordem pública ou de segurança pública, e fixam-se os limites de idade mínima dos consumidores para a sua aquisição e respetiva utilização (visando-se a proteção da saúde, a segurança e o ambiente e dados os perigos inerentes ao uso de artigos de pirotecnia).
Mas, relativamente aos petardos (também incluidos nos "fogos-de-artifício"), as restrições e proibições não se ficam pelo art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho.
Nos termos do art.º 5.º n.ºs 1 e 2, desde diploma legal:
“1 - A disponibilização no mercado de artigos de pirotecnia que satisfaçam os requisitos do presente decreto-lei não pode ser proibida, restringida ou entravada.2 - O disposto no número anterior não prejudica as disposições legais, justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de proteção ambiental, destinadas a proibir ou restringir a posse, a utilização e ou a venda ao grande público de fogos-de-artifício das categorias F2 e F3, de artigos de pirotecnia para teatro e de outros artigos de pirotecnia”. (sublinhado nosso)
É o que sucede, actualmente, com os petardos e petardos flash, que apenas apresentam um efeito sonoro «de tiro», passível de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, provocando alterações à ordem e tranquilidade pública.
Por esta razão, a Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril, proíbe a comercialização de petardos e petardos flash (noções previstas no seu art.º 3.º n.º 5), independentemente da designação adotada de categoria F3 [art.º 3.º n.º 3 al.ª], e condiciona a venda de petardos e petardos flash de categoria F2, a qual deve ser precedida de uma autorização emitida pela Polícia de Segurança Pública, após avaliação dos fins a que os produtos pirotécnicos em apreço se destinam [art.º 3.º n.º 4].
Temos que ter também em consideração que, no art.º 2.º n.º 1 al.ª ag) do RJAM, os “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho”, são definidos, como:
“o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento (…)”.
Ora, os petardos não estão destinados a ser utilizados para fins de entretenimento.
Nos termos do art.º 31.º n.º 6 al.ª b) do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos (aprovado pelo Decreto-lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo art.º 1.º do Decreto-lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro) – que se mantém em vigor:
A autorização para o uso de petardos (bombas de arremesso) só pode ser concedida se eles se destinarem a uma finalidade não lúdica, “designadamente na defesa de produções agrícolas ou florestais, ou, ainda, para o exercício autorizado da caça de batida”. [1]
[1] Segundo os especialistas, os petardos de categoria F2 são ineficazes para estas finalidades. E, sendo os de categoria F3 (que seriam os adequados) proibidos no mercado (pela Portaria n.º 139/2017, 17 de Abril), na prática não têm existido pedidos de autorização para o seu uso.
EM SUMA:
Perante todo o exposto, é impossível, do ponto de vista lógico e racional, concluir que os petardos de categorias F2 e F3:
●que são passíveis de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, provocando alterações à ordem e tranquilidade pública (cfr. exposição de motivos da Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril); e● não se destinam a fins de entretenimento, cfr. art.º 31.º n.º 6 al.ª b) do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos (aprovado pelo Decreto-lei n.º 376/84, de 30 de Novembro),
se incluem na definição de “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho”, do art.º 2.º n.º 1 al.ª ag) do RJAM, a saber:
“o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais”; [2]
[2] Obviamente que nunca um petardo de categoria F2 ou F3 “apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante”, quando utilizado em áreas confinadas e muito menos no interior de edifícios residenciais…
Perante todo o exposto – na nossa opinião –, quem, sem se encontrar autorizado (no caso de petardos da categoria F2), fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
● petardos das categorias F2 e/ou F3 é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, nos termos do art.º 86.º n.º 1 al.ª d) do RJAM. [3]
[3] Relativamente aos petardos de fabrico artesanal, por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM, preenchem o tipo de crime do art.º 86.º n.º 1 al.ª a) do RJAM. Vide o nosso artigo: “Outra vez os petardos!”
Os distribuidores e os importadores que procederem à venda deste tipo de artigos pirotécnicos incorrem no tipo de crime de “tráfico e mediação de armas”, p. e p. pelo art.º 87.º n.º 1, do RJAM, por referência à al.ª d) do n.º 1 do art.º 86.º, do mesmo diploma legal.
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